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No rastro da imprudência, vidas se desfazem

Há quem diga que a conexão entre mãe e filho é algo capaz de ultrapassar as barreiras da própria existência. Simone Barreto Farias era mãe de primeira viagem e ainda aproveitava as descobertas do filho, o pequeno Pietro, que tinha apenas cinco meses, quando a trajetória da família foi repentinamente interrompida.

No dia 12 de dezembro de 2015, ao contrário dos outros dias, Simone trabalhou com um aperto no coração. Como tinha retornado após a licença-maternidade, possuía o benefício das saídas para amamentação. Ela trabalhava no terceiro turno, em uma empresa têxtil, e podia sair uma hora mais cedo; nos sábados era o companheiro Rodrigo Serena quem a buscava, já que o horário do transporte coletivo diminuía neste dia. “A última vez que conversamos foi na noite anterior, um pouco antes do meu turno começar, ele disse que me amava e que não esqueceria de me buscar”.

Rodrigo nunca chegou. Ele teve o caminho interrompido por volta das 3h30min, por um carro, em que estavam um jovem de apenas 24 anos e outro de 28. Com os dois também vinham o excesso de velocidade e o consumo de bebidas alcoólicas. Um choque tão violento, que os três não resistiram e morreram na hora.

Junto com Rodrigo estava Pietro, no banco traseiro, acomodado em sua cadeirinha. Era costume o pai levar o filho para buscar a mãe.

Minutos antes de chegar ao local do acidente, acompanhada de uma amiga, Simone já tinha passado pela cena enquanto voltava para casa após não conseguir contato com o marido. “Eu liguei várias vezes, mas o Rodrigo não me atendeu. Então esperei o ônibus para ir para casa”

O peito apertou mais uma vez ao ver os três corpos cobertos no asfalto e uma cadeirinha de bebê no chão, mas não havia como reconhecer o carro devido à destruição causada pelo impacto. A certeza viria instantes depois, quando parou em frente à casa, não viu o veículo da família estacionado na garagem e não encontrou Rodrigo e Pietro dentro de casa.

Coube aos bombeiros, que ainda estavam no local do acidente, a dura missão de contar para Simone o que tinha acontecido. O corpo do marido, assim como dos outros dois homens, foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML). “Eu estava no local quando a Simone chegou, e tivemos que contar a ela o que aconteceu. Um tempo depois, passar por lá me dava calafrios. Perdi alguns quilos após aquela ocorrência”, reaviva o bombeiro e comandante da Corporação de Pomerode, Carlos Ricardo Hein.

Pietro foi transferido, com um quadro crítico, para a UTI do Hospital Santo Antônio, em Blumenau. “Ele teve dois coágulos na cabeça e quebrou o lado esquerdo da clavícula. Ficou nove dias na UTI e mais dois no quarto antes de podermos levá-lo para casa”, testemunha a mãe.

Simone não quis mais ficar em Pomerode, já que passar pelo local e relembrar tudo, era sempre muito difícil. Mudou-se para Guaramirim, próximo aos irmãos. Para ela, restaram as saudades infinitas do marido e o desejo de que o filho cresça e seja feliz. Além de Pietro, Rodrigo também era pai de mais dois filhos, frutos do seu primeiro casamento. “Eu ainda não consegui reconstruir minha vida, e nem sei se será possível um dia. Não sei o porquê isso aconteceu com a gente. Nós nos amávamos e estávamos formando uma vida juntos. Pra mim, o Rodrigo era tudo e sempre estava do meu lado. Agora eu tenho o Pietro e somos só nós dois. Acho que Deus botou a mão lá para salvá-lo. Só quem viu para entender isso, porque destruiu tudo”, afirma.

Sobre os familiares do jovem que provocou o acidente, Simone prefere se manter distante, diz que não guarda rancor, mas que também é muito difícil perdoar. “Eles até nos procuraram depois do acidente, mas eu não consegui. É muito difícil para mim! Afinal, a vida é uma só e a do Rodrigo não tem mais volta. Por isso, ame e cuide de sua vida e do próximo. Não pense só em você, a morte não perdoa e abre uma ferida que nunca mais cicatriza”, garante.

Todos os anos, milhares de pessoas sofrem, assim como Simone e Pietro, as consequências da principal responsável pelas mortes no trânsito: a imprudência. As marcas vão muito além dos estilhaços de vidro espalhados no asfalto e da curiosidade popular momentânea pela tragédia; elas ultrapassam anos e marcam as vidas dos envolvidos. O que sobra é o vazio do silêncio, a saudade e o sentimento de impotência. 

Lembranças: nos retratos os sorrisos de uma família feliz

Foto: Arquivo Pessoal/

O casulo de Pietro

Era o primeiro plantão de Natália Grossglags como bombeira voluntária. A ligação que informava o grave acidente chegou para a corporação como um caso envolvendo carro e moto, um equívoco gerado pelo impacto que desfigurou os carros. “Quando chegamos lá, nos deparamos com uma cena terrível. Não sabíamos para onde olhar primeiro. O que o pessoal achava ser uma moto, na verdade, era o motor de um dos carros que foi arrancado durante a batida”.  

O pior dos quadros se confirmou, eram três mortos. Enquanto aferiam os sinais vitais para tentar encontrar alguma chance de vida, Natália ouviu um gemido. O som despertou todos os seus instintos, ela pediu silêncio aos que estavam no local e o auxílio de um colega para iluminar o veículo. Lá dentro, protegido em seu “casulo”, estava Pietro. “Puxei um pouco a cadeirinha e vi o bebê. Ele estava com o ‘cheirinho’ sobre o rosto e com alguns cacos de vidro por cima. Parecia que havia acordado de um susto”.

Natália então chamou o experiente bombeiro Carmo Zeplin. “Tem um bebê aqui e ele está vivo”, foi a frase que aqueceu os corações naquela noite. Carmo foi o responsável por resgatar Pietro, um instante de luz em meio à escuridão daquela madrugada de 12 de dezembro.

“O acento do carona da parte da frente dobrou para trás, e o acento traseiro fez o inverso. Deus iluminou o Rodrigo naquela noite para que ele prendesse o Pietro tão corretamente na cadeirinha. O movimento dos bancos formou uma espécie de casulo e o bebê conforto o protegeu”, conta Natália.

A experiência da jovem bombeira naquela noite a marcou para toda a vida. Por meio de uma amiga em comum, entrou em contato com Simone, que aceitou conhecê-la. Até hoje, as duas trocam mensagens.

Já Simone tem profundo sentimento de agradecimento por aqueles que resgataram seu filho. “Eu agradeço muito aos heróis, que são os bombeiros que salvaram meu filho, e não tenho palavras para expressar minha gratidão. Tenho muito carinho pela Natália e pelos outros que não conheço, mas sempre estão em minhas orações”, finaliza Simon

Amor maior: ao lado do filho Pietro, Simone tenta reconstruir sua vida

Uma família sem pai

Era manhã de sábado, 17 de maio de 2003. Segismundo Fischer, conhecido pelos amigos e familiares como Zigo, acordou cedinho como todos os sábados, preparou seus itens de trabalho e saiu. Antes, parou no posto de gasolina para abastecer o carro. Além das ferramentas, levava consigo a térmica de café e o lanchinho.  

O último “tchau” e o sorriso largo foi dado aos frentistas. Logo em seguida, por volta das 6h30min, em uma curva a menos de um quilômetro do posto, o carro conduzido por Zigo foi atingido em cheio por um veículo que invadiu a contramão. O trabalhador não teve tempo de desviar ou frear. Sua vida foi ceifada no instante da colisão. Equipes de socorristas nada puderam fazer por ele. Condutor e passageiro do outro automóvel, que voltavam para casa após uma festa, foram levados ao hospital com graves ferimentos.

Zigo tinha apenas 52 anos quando perdeu a vida no violento acidente daquela manhã ensolarada. Ele era casado e tinha dois filhos. Durante a semana, trabalhava em uma empresa de Pomerode e, aos sábados, fazia um dinheirinho extra como pedreiro. Adorava ajudar os outros e se orgulhava de tudo o que era conquistado para dar uma vida melhor à família.

“É muito complicado até hoje falar sobre o que aconteceu. A notícia da morte do meu pai foi um choque para toda a família e é uma dor que nunca vai passar. Porque ele não esteve presente nos momentos mais importantes da minha vida e nem pôde conhecer todos os netos. Eu não pude dizer o quanto era importante para mim e como eu o amava”, conta o filho mais novo, Marcos, que completaria 18 anos dois meses depois.

Ele afirma que o motorista do outro carro sobreviveu ao acidente, mas sua família nunca teve qualquer tipo de contato. Marcos também não sabe se o condutor recebeu algum tipo de penalidade e quais foram as reais causas do acidente. “Procuramos não pensar muito sobre isso, porque as memórias desse dia são sempre muito dolorosas. Mas eu lembro que, na época, as regras de trânsito não eram tão rígidas. Desse dia que gostaríamos de esquecer, com todas as nossas forças, ficaram apenas algumas lições”.

Marcos, que hoje é casado e tem dois filhos, reforça que a vida deve ser preservada acima de tudo. “Não há um dia em que eu não pense no meu pai e que gostaria de tê-lo por perto. Temos que preservar a vida em primeiro lugar. Devemos pensar mais em nós e nas pessoas que amamos. Por isso, é preciso que todos tenham consciência, porque dirigindo embriagado ou em alta velocidade, você tira a vida de uma pessoa, um pai de família ou uma criança. Entendo que o risco dos acidentes diminuirão bastante com algumas mudanças de hábitos. Cuidando da gente, cuidamos dos outros”, reforça.

As memórias desse dia são sempre muito doloridas – Marcos

Vidas que se cruzam

Era manhã de sábado, 17 de maio de 2003. Segismundo Fischer, conhecido pelos amigos e familiares como Zigo, acordou cedinho como todos os sábados, preparou seus itens de trabalho e saiu. Antes, parou no posto de gasolina para abastecer o carro. Além das ferramentas, levava consigo a térmica de café e o lanchinho.  

O último “tchau” e o sorriso largo foi dado aos frentistas. Logo em seguida, por volta das 6h30min, em uma curva a menos de um quilômetro do posto, o carro conduzido por Zigo foi atingido em cheio por um veículo que invadiu a contramão. O trabalhador não teve tempo de desviar ou frear. Sua vida foi ceifada no instante da colisão. Equipes de socorristas nada puderam fazer por ele. Condutor e passageiro do outro automóvel, que voltavam para casa após uma festa, foram levados ao hospital com graves ferimentos.

Zigo tinha apenas 52 anos quando perdeu a vida no violento acidente daquela manhã ensolarada. Ele era casado e tinha dois filhos. Durante a semana, trabalhava em uma empresa de Pomerode e, aos sábados, fazia um dinheirinho extra como pedreiro. Adorava ajudar os outros e se orgulhava de tudo o que era conquistado para dar uma vida melhor à família.

“É muito complicado até hoje falar sobre o que aconteceu. A notícia da morte do meu pai foi um choque para toda a família e é uma dor que nunca vai passar. Porque ele não esteve presente nos momentos mais importantes da minha vida e nem pôde conhecer todos os netos. Eu não pude dizer o quanto era importante para mim e como eu o amava”, conta o filho mais novo, Marcos, que completaria 18 anos dois meses depois.

Ele afirma que o motorista do outro carro sobreviveu ao acidente, mas sua família nunca teve qualquer tipo de contato. Marcos também não sabe se o condutor recebeu algum tipo de penalidade e quais foram as reais causas do acidente. “Procuramos não pensar muito sobre isso, porque as memórias desse dia são sempre muito dolorosas. Mas eu lembro que, na época, as regras de trânsito não eram tão rígidas. Desse dia que gostaríamos de esquecer, com todas as nossas forças, ficaram apenas algumas lições”.

Marcos, que hoje é casado e tem dois filhos, reforça que a vida deve ser preservada acima de tudo. “Não há um dia em que eu não pense no meu pai e que gostaria de tê-lo por perto. Temos que preservar a vida em primeiro lugar. Devemos pensar mais em nós e nas pessoas que amamos. Por isso, é preciso que todos tenham consciência, porque dirigindo embriagado ou em alta velocidade, você tira a vida de uma pessoa, um pai de família ou uma criança. Entendo que o risco dos acidentes diminuirão bastante com algumas mudanças de hábitos. Cuidando da gente, cuidamos dos outros”, reforça.

Heróis da vida real: Ivanir, Carmo, Natália, Rafael, Márcia e Charles

Ela estava no quarto ao lado e aquelas foram suas últimas palavras. Eu queria falar com ela, mas não pude – Charles

Na dor, o ímpeto de abrandá-la

Charles Raasch se tornou bombeiro há três anos. Assim como Ivanir, ele sentiu o desejo de abrandar a dor das pessoas, mas, diferente da colega, a vontade nasceu após dois traumas que mudaram radicalmente sua vida.

Em 2008, ele e a esposa acordaram cedo para aquele que deveria ser um dia normal. De carro, levaram o filho de três anos para a creche e voltaram para casa para trocar de veículo. Charles trabalhava em Blumenau, então fazia um trajeto considerável todos os dias. No entanto, havia percorrido menos de dois quilômetros quando a moto em que estava com a esposa foi atingida por outro veículo. “Acordei no hospital e ouvi minha esposa gritando por mim e pelo meu filho. Ela estava no quarto ao lado e aquelas foram suas últimas palavras. Eu queria falar com ela, mas não pude. Voltei a ficar inconsciente e passei por exames, só depois de acordar, já no dia seguinte, recebi a notícia de que ela não tinha resistido”, relembra.

Charles conta que, para criar o filho, hoje com 15 anos, recebeu o apoio da mãe e que os anos seguintes foram de muitos desafios e saudade. Ele diz ainda que, na época, foi pessoalmente agradecer aos bombeiros e médicos. “Eles fizeram tudo que podiam para salvá-la. Se não fosse por eles, talvez eu também não tivesse sobrevivido”.

Dois anos mais tarde, em 2010, no trajeto entre Pomerode e Jaraguá do Sul, novamente a imprudência de outro motorista cruzou o caminho de Charles. O resultado foi várias fraturas na tíbia e fíbula e, mais uma vez, contou com o atendimento dos bombeiros. “Depois daquilo, decidi que gostaria de ser a pessoa que presta este atendimento, que oferece todas as chances a quem está em uma situação como esta. Foi isso que me motivou a ser bombeiro. Somos voluntários, deixamos nossa própria família de lado e fazemos isso por amor à farda e àqueles que precisam de nossa ajuda”, finaliza. 

Não faltam leis, falta conscientização

Esse é o pensamento do comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de Pomerode, Carlos Hein. Para ele, se as leis fossem respeitadas, muitos acidentes poderiam ser evitados ou teriam proporções bem menores. “Não passa um ano, sem uma situação como aquelas relatadas e, nesta época, parece que as coisas pioram. Eu reforço que o problema não está nas leis e, sim, no comportamento de cada um. Afinal, não existe uma condição ou porcentagem segura para os excessos. Os acidentes são sempre mais graves quando envolvem o consumo de álcool ou abuso de velocidade”, reforça Hein. 

Para o comandante da Polícia Militar de Pomerode, tenente Fábio Verdasca de Luca, parte da população respeita as leis de trânsito e evita ingerir bebida alcoólica, caso tenha que dirigir em seguida. Outros, no entanto, passam longe disso, seja por se basearem na ideia de que ao dirigir pequenas distâncias não é preciso tomar cuidado. “Ou por confiar em suas habilidades durante o trajeto mesmo após beber. Esses dois motivos exemplificados, também podem ser observados nos casos de turistas que se hospedam em nosso município, além dos moradores, principalmente nos fins de semana”, elucida.

Uma das medidas adotadas na cidade é o endurecimento das ações após os flagrantes, como o reforço no valor da fiança, de acordo com o poder aquisitivo dos envolvidos. O delegado da Polícia Civil de Pomerode, Antonio Lucio Antunes Godoi, explica que a medida repercutiu e parece ter cumprido o papel de diminuir a sensação de impunidade, que nutria os argumentos dos envolvidos nesse tipo de ocorrência.

Godoi, no entanto, destaca que a repressão tem se mostrado insuficiente e é preciso pensar a questão em um quadro mais amplo, envolvendo diversos setores da sociedade, para oferecer ao cidadão alternativas em que possa se divertir, sem colocar vidas em risco. “Há a opção de utilizar táxis e outros aplicativos, inclusive os de carona solidária, ou eleger o motorista da rodada”. 

Experiência: Hein e Fischer atenderam várias ocorrências causadas por imprudência

Os acidentes são sempre mais graves quando envolvem o consumo de álcool ou abuso de velocidade – Hein

A imprudência em números

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