Você atingiu a métrica limite de leitura de artigos

Identifique-se para ganhar mais 6 artigos por mês!

Já sou assinante!

terça-feira, 10 de junho de 2025
15.9 C
Pomerode
15.9 C
Pomerode
terça-feira, 10 de junho de 2025

Carroças, bules e a herança de um passado encantador

As curiosas carroças de leite, e seus conhecidos ‘puxadores’, por muitas décadas ditaram a rotina das manhãs pomerodenses. Logo cedinho, assim que o sol nascia, era deles a incumbência de pegar, casa após casa, os bules de leite deixados pelos colonos.

Wilmar Link, neto de Gustav Hornburg, que por muitos anos foi encarregado de levar os bules dos moradores da Rua Jerusalém, no Centro, para a conhecida Firma Weege (Indústria e Comércio Hermann Weege SA), relembra como era a rotina do avô todas as manhãs.

“Ele começava geralmente entre 5h e 5h30min, porque tinha que dar comida para os cavalos antes de sair. Depois, precisava prendê-los na carroça e arrumar tudo. Isso demorava em torno de uma hora, uma hora e meia. Então, ele saía de casa por volta das 6h30 e 7h e ia parando na frente de cada vizinho.”

Assim como Gustav, os carroceiros, contratados pelas queijarias, geralmente eram encarregados de apanhar o leite das propriedades próximas às suas casas. Então, como era algo bem comum os colonos venderem o excedente de sua produção leiteira, praticamente cada rua ou tifa de Pomerode tinha o próprio “puxador de leite”.

“Todos os vizinhos do meu pai, na época, tinham vacas de leite e vendiam o que sobrava para as queijarias. Da nossa casa, até o final da saída do Vale do Selke, a carroça tinha até um andar em cima pra colocar mais bules”, relembra o aposentado Lodemar Kraft, filho de criadores de gado e porcos. “Tinha muitos colonos que criavam vacas leiteiras, hoje acho que quase não tem mais nenhum, infelizmente. Na época, meu opa recolhia o leite de 15 a 20 casas da rua”, complementa Wilmar.

Recordações: neto de Gustav Hornburg, Wilmar Link relembra a época em que o avô levava o leite dos vizinhos até a Indústria Weege. Foto: Gabriel S.

Um trecho do livro “Sabores da Colônia Blumenau: a história dos empreendedores que produziam defumados e queijos”, escrito por Nelson Vieira Pamplona, relata com riqueza de detalhes a dinâmica dos bules de leite esperando pelos carroceiros todas as manhãs.

Em toda a zona rural, a imagem dos latões de leite ao longo do caminho fazia parte da bucólica paisagem. Um, às vezes dois, ou até três latões, alguns grandes e outros menores, eram sempre colocados à beira da estrada, ou no gramado junto ao portão do jardim, ou sobre uma banqueta de madeira ou numa casinhola aberta para o lado da estrada.

Laticínios: a fabricação do queijo e da manteiga fomentou a criação de indústrias reconhecidas não somente no Vale do Itajaí. Foto: Willy Sievert (Acervo Departamento de Cultura de Pomerode)

Na localidade do Ribeirão Luebke, segundo Arnoldo Manske, não era diferente. A casa dos pais ficava localizada na parte alta da rua. Então, a cada manhã, era dos filhos a missão de levar os bules até o início da Tifa. “Um dia nós levávamos com uma espécie de carrinho de mão, já no outro dia era a vez dos vizinhos. Descíamos com os bules morro abaixo até chegar à estrada geral, onde o carroceiro fazia a coleta e se encarregava de levar para a Queijaria Koch (Indústria e Comércio de laticínios Koch), em Testo Central.”

Cátia Cilene Kraft Manske era pequena, mas guarda recordações daquele que considerava o ‘despertador oficial da rua’. “Nós éramos crianças quando começava o barulho do Sr. Gustav (Hornburg), descendo pela nossa rua com a carroça.” Barulho das carroças, que também fazia parte da rotina da aposentada, Ingrid Manske, que na época acompanhava a movimentação vinda de Pomerode Fundos. “A gente escutava as carroças passando no paralelepípedo e isso dava um barulhão.”

Muitas vezes, o homem na boleia da carroça do leite não precisava saltar da mesma para apanhar os vasilhames, já que eles estavam dispostos em um local mais elevado. “Boa parte dos vizinhos já deixavam seus bules todos em um único local, que era um ranchinho com chave, como se fosse uma ‘central dos bules de leite’. E outros deixavam em frente às casas. Eram bules parecidos, mas cada um sabia quais eram os seus porque eram identificados com uma numeração”, afirma Cátia.

Wilmar, que teve o privilégio de acompanhar seu avô em algumas dessas jornadas para a coleta do leite, se recorda também do barulho das carroças. “O bule de leite era tudo em latão e a estrada era esburacada em alguns pontos. Então, isso tudo automaticamente já fazia barulho. Quando a carroça se aproximava pela rua já sabiam que era o leiteiro. E, claro, a cachorrada que também garantia a recepção. Todo mundo já escutava quando o leiteiro estava chegando.”

Rotina: antes de se casarem, o casal Ingrid e Arnoldo Manske, já acompanhavam o deslocamento das carroças de leite em localidades diferentes de Pomerode. Foto: Gabriel S.

A rotina da maioria dos carroceiros era essa: acordar cedinho, carregar os bules nas propriedades vizinhas e levar até as queijarias, onde o leite era descarregado. “O opa pegava o bule de leite, tirava tampa, olhava e conferia a litragem que tinha dentro. Tinha uma litragem numérica por dentro e por fora de cada bule. E depois anotava em sua caderneta que era entregue na Firma Weege no fim do mês. Nessa hora, ele recebia uma caderneta nova para marcar tudo outra vez, já com os nomes dos colonos. Cada página tinha o nome de um produtor e as marcações, ele só precisava marcar diariamente a litragem de cada um”, explica Wilmar.

Por vezes, o intenso movimento de carroceiros que chegavam ao mesmo tempo nas queijarias acabava provocando um verdadeiro congestionamento de carroças à espera de descarregar a coleta do dia. “Mesmo com o grande movimento de carroceiros, lá na queijaria era ‘vapt-vupt’. O opa só chegava e encostava e lá já tinha o pessoal que pulava em cima das carroças, tirava os bules e jogava todo o leite em cima de um recipiente maior”, declara Wilmar.

Trabalho: todas as manhãs, após recolherem o leite nas propriedades de Pomerode, os carroceiros eram vistos aguardando para descarregar os bules nas queijarias. Foto: Acervo Museu Pomerano

Na volta para casa, os latões numerados, agora vazios, iam sendo devolvidos aos lugares certos juntamente com alguma correspondência, ou algum item da ‘venda’. “Eles voltavam com os bules vazios, cada um com a sua numeração correta, que eram entregues onde foram retirados, e ainda com as carroças cheias de compras, que eram os pedidos feitos pelos colonos. A maioria dos carroceiros fazia isso porque os carros eram raros e os colonos moravam distante dos comércios”, esclarece Ingrid.

Além dos bules vazios e das compras, os ‘puxadores de leite’ também traziam o soro do leite, o “molke”, que era usado para alimentar os porcos que depois eram comercializados para as queijarias, que em sua maioria também vendiam carnes e embutidos suínos. “Tanto o leite quanto a engorda dos porcos fazia parte da nossa rotina, então os colonos que quisessem recebiam o soro para tratar os porcos e lembro que não era cobrado nada por isso”, garante Lodemar.

Antes do meio-dia, segundo o livro de Nelson Pamplona, voltavam as carroças em cujo tablado a lataria saltitava tilintando.  Alguns carroceiros de acordo com Arnoldo, chegavam antes, outros acabavam voltando para casa somente no fim do dia. “Fazia chuva ou sol, sábado, domingo ou feriado, eles eram extremamente pontuais em todas as manhãs. Mas na volta, alguns gostavam de conversar, e não tinham pressa e acabavam demorando um pouco mais para chegar em casa”, expõe Arnoldo.

Em todas as décadas em que Pomerode foi um polo da produção de queijos e outros embutidos, jamais se ouviu que alguém tivesse furtado leite ou algum latão. Colonos, vizinhos e carroceiros sempre mantiveram a política de um comércio justo e proveitoso a todos. “O carroceiro nunca falhou, se ele mesmo não podia ir, alguém o substituía e nunca soube de alguém que teve seu bule extraviado”, reforça Arnoldo.

Para Wilmar, ficam os ensinamentos do avô e a alegria com que se dedicou à profissão por tantos anos. “Eu sempre senti muito orgulho do meu opa e via nele a satisfação em fazer esse trabalho. Acho que ele não podia esperar a manhã seguinte chegar para poder seguir a rotina e, lógico, poder botar a fofoca em dia com um ou outro vizinho, onde parava pelo caminho.  Ele realmente amava aquele serviço. A gente via um sorriso no rosto dele na hora de passar e fazer o trajeto.”

Infância: Cátia Cilene Kraft Manske, se recorda com carinho daquele que era considerado o despertador oficial da rua onde morava quando era criança. Foto: Gabriel S.

Carroças para puxar leite

Com laterais um pouco mais baixas e mais compridas que as carroças para outros fins, as que eram utilizadas para ‘puxar’ leite tinham um modelo para se adaptar à rotina diária de carregar e descarregar os bules. “Algumas carroças não tinham a lateral muito alta, eram mais compridas e mais baixas. Imagino que deva ter sido isso, pensa o peso deles tirarem de cima. Então, acho que eles tinham um cuidado bem especial com isso”, comenta Cátia.

Como eram usadas apenas para essa finalidade, eram logo reconhecidas por onde passavam. “E cada bule tinha o seu lugar fixo no fundo da carroça que tinha até marcação de tanto eles trabalharem”, complementa Lodemar.

Puxador de leite: função muito importante no auge da produção queijeira em Pomerode, era deles a missão de recolher diariamente o leite nas propriedades do município. Foto: Livro Sabores da Colônia Blumenau: a história dos empreendedores que produziam defumados e queijos

Histórias de infância

Wilmar, que teve o privilégio de acompanhar o avô nas andanças pela Rua Jerusalém, não esquece de mencionar a alegria que sentia a cada passeio. “Pelo simples fato de estar com o meu opa, sentado em uma carroça, era como se hoje eu fosse andar de BMW. Foi realmente uma coisa incrível e para nós era uma novidade.”

Não raro, as crianças da vizinhança pegavam carona com os carroceiros para irem à escola. Por vezes, de acordo com Lodemar, os carroceiros se incomodavam com os acompanhantes, mas em sua maioria, era uma grande festa. “Quando terminava a aula, a piazada estava em cima da carroça. O carroceiro que fazia a nossa rua não gostava muito e dizia ‘vocês vão me cair, vão me cair’. Aí pela carona, o nosso serviço era descarregar os bules grandes das carroças. Por isso, às vezes ele nos deixava ir junto.”

A força dos colonos para impulsionar o comércio local

Na introdução do livro “Sabores da Colônia Blumenau: a história dos empreendedores que produziam defumados e queijos”, Nelson Vieira Pamplona discorre sobre a necessidade de subsistência do colono. Além de cultivar a terra, ele criava galinhas, que proporcionavam ovos e carnes, alimentava um ou dois porcos que lhe forneciam a carne e a banha, mantinha um cavalo que tracionava o arado e ajudava no trabalho pesado e também nos deslocamentos, além de uma ou duas vacas, que eram imprescindíveis para a produção de leite, da manteiga e do queijo.

“E foi assim, dentro da moldura de produzir o que consumia, que o colono criava sua família. Ele produzia praticamente tudo o que era necessário, faltando apenas alguns itens como o sal, o trigo, o fósforo e o querosene. À medida que ganhava mais experiência e produtividade, já colhia quantidades além das estritamente necessárias à subsistência da família.

Esses excedentes, sendo perecíveis, obrigatoriamente eram transformados em manteiga, carnes preparadas, banha de porco, e conservas. Nascia assim uma rudimentar e caseira indústria de transformação.”

O porco, e também o leite, que o dono da ‘venda’ transformava em nata, manteiga e queijo, eram produtos usados em volumoso e conveniente escambo. E foi dentro dessa sistemática que todos os produtores de embutidos e queijos iniciaram sua vida industrial.

“À medida que a população aumentava, o mercado ampliava e com ele o número de pequenas indústrias artesanais. Os conhecimentos, inicialmente calcados na tradição e na experiência doméstica dos avós, eram transmitidos dentro de cada família, passando de geração em geração.”

Propriedade: na infância, Lodemar Kraft ajudava os pais, que eram colonos, a deixar o leite no lugar combinado para a coleta dos carroceiros. Foto: Gabriel S.

O fim de uma era

Em seu livro, o escritor Nelson Pamplona fala sobre a importância de empreendimentos caseiros e artesanais para impulsionar o crescimento do Vale do Itajaí.

“Muitas das histórias da Colônia Blumenau foram escritas nos estábulos e nos currais, nos abatedouros e nas queijarias, nas máquinas de embutir a linguiça e nas prensas de formar o queijo (…) o colono sonhava com um futuro melhor.”

Mas como em toda grande história, o fim chegou também pra um dos mais tradicionais costumes pomerodenses. Aos poucos o som inconfundível das carroças foi sendo silenciado e os tradicionais bules já não eram mais vistos na frente das residências. “Talvez a mudança na própria legislação, a troca de veículos tenha feito com que os carroceiros não precisassem mais se deslocar. Sem contar a própria necessidade de criar animais que pudessem puxar as carroças”, afirma Cátia.

No fim das décadas de 1980 e 1990, os colonos começavam a sentir o peso dos anos e já não tinham mais forças para o árduo trabalho no campo. Os filhos preferiam trabalhar nas indústrias que se aproximavam. “Ninguém substituía os carroceiros, os filhos não queriam ser carroceiros, automaticamente ficavam idosos e a própria extinção das fábricas de laticínios, acho que fez com que não houvesse mais interesse nisso”, analisa Arnoldo.

A produção de leite diminuiu, mas em 1980 Pomerode ainda possuía nove fábricas de queijo, que aos poucos também foram extintas. “Em Pomerode quantas queijarias nós tínhamos? Uma vez eu contei 11 ou 12 queijarias no auge da produção leiteira. Hoje, quantas ainda temos? Os colonos não querem mais criar vacas e o pessoal também não tem mais onde deixar o leite, por causa disso acho que tudo sumiu do mapa”, argumenta Lodemar.

Confira o antes e depois da Praça Hans Ernst Schmidt

1950er Jahre: Der im Zentrum von Pomerode gelegene Hans-Ernst-Schmidt-Platz wurde 1955 eingeweiht und erhielt den Namen Praça 25 de Julho. Das Grundstück für den Bau des Platzes wurde 1953 von der Stadtverwaltung Blumenau für das Dorf Rio do Testo erworben. Als Gemeindestatus Pomerode erhielt der Platz 1961 dann seinen heutigen Namen.

2023: Localizada no Centro de Pomerode, a Praça Hans Ernst Schmidt foi inaugurada em 1955 e era denominada Praça 25 de Julho. O terreno para sua construção foi adquirido pela prefeitura de Blumenau para a Vila do Rio do Testo em 1953. Já como município de Pomerode, foi em 1961 que a praça ganhou a denominação que tem hoje.

Proibido reproduzir esse conteúdo sem a devida citação da fonte jornalística.

Receba notícias direto no seu celular, através dos nossos grupos. Escolha a sua opção:

WhatsApp

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui