Em 17 de março de 1895 nascia Alwin Blank, filho de Johann Friedrich Wilhelm Blank e Caroline Johanne, nascida Fredericke Hein. Na infância, o descendente de imigrantes pomeranos morou na localidade de Testo Central Alto, depois que os pais se mudaram da localidade de Rio Cerro, em Jaraguá do Sul.
Na propriedade da família foi construída uma belíssima casa enxaimel, que é mantida até a atualidade. “Alguma coisa mudou, mas a casa comprida onde meu pai morou quando era criança ainda está lá”, conta o filho Quito Blank, hoje com 94 anos.
A paixão de Alwin pelo ofício de sapateiro surgiu quando ele tinha apenas oito anos. Na época, ele pediu para o pai se podia ir para Joinville aprender o ofício. “Ele viu um sapateiro trabalhando e gostou muito, queria ser aprendiz para depois exercer o trabalho por aqui. Essa foi a única condição do meu Opa, que ele fosse para Joinville, não para ficar, apenas para aprender e voltar a Pomerode.”

Quando retornou para a cidade, na época ainda Distrito do Rio do Testo, iniciou a carreira como sapateiro inicialmente realizando consertos de calçados usados. Pouco depois passou a confeccionar os primeiros pares.
Não demorou muito para que a fama, do primeiro e exímio sapateiro do distrito, se espalhasse também pela região. Segundo Quito, muitos foram os consertos e pares de sapatos feitos por Alwin Blank para outras cidades da região, fazia modelos para homens, mulheres e crianças.
“Ele era um sapateiro conhecido em Santa Catarina inteira. Meu pai fazia o modelo, em quatro partes, cortava o couro, afinava, só ele sabia fazer isso. Ele esticava o couro, até ajeitar no pé do sujeito e não tinha falha, não podia fazer ferida, nada disso, nem ser apertado. Todo mundo gostava do que ele fazia por causa disso”, declara.
Quando Alwin se casou com Anna, os dois se mudaram para uma residência construída na década de 1930 e localizada bem na região central do então distrito que pertencia a Blumenau. “Eu me lembro que tinha a casa e do lado a sapataria. Na frente funcionava a loja e atrás a fábrica. Anos mais tarde, eram comercializados também calçados de outras marcas, de fábricas principalmente do Rio Grande do Sul. Alguns procuravam por preço, mas a maioria queria aqueles sapatos que só meu pai sabia fazer.”

Nas recordações de Quito estão a parceria que Alwin tinha com a esposa. Anna nasceu em Joinville e quando se casou veio morar em Pomerode. Tinha um vasto conhecimento em artes manuais como bordados finos, tricô, crochê e costura. “Eu lembro muitas vezes que os dois ficavam até tarde fazendo sapatos. A mãe sempre era a mão principal que o sapato precisava. Era pegar as quatro peças do sapato, ver como fica, e ela costurava as peças de uma forma quase perfeita.”
Assim como o pai, Quito também começou cedo no ofício. Suas primeiras memórias dentro da sapataria são de quando tinha apenas nove anos. “A gente fazia o impossível ser possível. Tinha que ver em datas como ou Comunhão ou Natal quantos pares de sapato nós fazíamos.”
Muitas foram as andanças de Quito com o pai e as histórias pelo caminho. “Nós tínhamos pedidos em Rio Cerro. Nós íamos de carro de mola, daqui até lá, mas em uma estrada estreita. No morro, na subida, precisávamos sair da carroça. Ficávamos lá, esperando a cerimônia da igreja terminar, porque todos estavam na igreja. E de lá tirávamos medida, medida e mais medida. Tinha uns 14 pares de sapato para fazer. E no máximo em 14 dias nós entregamos tudo isso. E assim foi a nossa vida inteira.”
As lembranças de Quito também resgatam episódios emocionantes, de pedidos muito especiais feitos por Alwin. “Quando ele começou a fazer sapatos novos, apareceu no caminho um que ele nem queria fazer. Nem passou pela cabeça fazer, mas viu que o ‘choro’ era grande e disse: ‘vamos tentar’.”
Segundo Quito, o cliente era um senhor de Testo Central, que tinha uma perna mais curta. “Ele andava manco. Meu pai olhou para mim e perguntou se eu o ajudava a fazer e eu respondi que sim. Afinal, entortar eu já sabia entortar. Então, nós fizemos esse sapato e ele andou direitinho. Saiu contente, pagou a conta e foi embora.”
Quito relata que a propaganda feita pelo cliente deu ainda mais fama ao trabalho do pai. “Ele espalhou que o Velho Blank fazia sapatos para aleijados. E muitos nos procuravam para isso, não eram apenas sapatos sob medida, eram calçados especiais que atendiam exatamente o que o cliente precisava.”
Outro par de sapatos que arrancou lágrimas do cliente e também de Alwin, foi o pedido de um menino que nunca havia calçado algo nos pés. “Ele tinha um pé diferente e acho que, por isso, não encontrava nada que servisse. Nós tiramos as medidas nos dois pés e tratamos de fazer um modelo que fosse apropriado. Quando ele veio buscar e colocou os sapatos, olhou para o meu pai, que perguntou o que tinha acontecido. O garoto não respondeu e então se levantou, bem devagarzinho. Meu pai perguntou se servia e o menino começou a chorar de emoção, nós não conseguimos nos conter e choramos também.”

O único período em que Quito ficou longe da sapataria de Alwin foi à época em que serviu o Exército no Rio de Janeiro. O pai saudoso pedia o retorno do filho. “Eu queria muito continuar a carreira militar, mas ele sempre me escrevia para pedir a baixa do serviço. Até que um dia eu voltei para casa.”
Quito diz não saber ao certo quantos sapatos Alwin fez ao longo da vida e também perdeu as contas de quantos calçados ajudou o pai a fazer. “Ele fazia qualquer tipo de sapato de couro. E ele fazia tudo na mão, não era na máquina. Todo sapato de couro era preso com prego de madeira, alguém tinha que esquentar no fogo e depois aplicá-lo. Dificilmente uma sola dessas soltava.”
Alwin passou a vida fazendo remendos, trocando solados e outros consertos, além dos sapatos novos. “Eu sei que todo mundo gostava dos sapatos do Blank. Abriram muitas sapatarias depois, mas fecharam logo em seguida. Muitas vezes o cara chegava de volta e falava: ‘Sr Blank, esse sapato não acaba nunca’. Nem as solas, porque eram endurecidas numa prancha, a gente batia bem com o martelo para durar muito”, expõe.


Apesar da fama de Alwin Blank ser grande, a sapataria nunca chegou a ter um nome específico. Ela sempre foi conhecida como a “Sapataria do Blank”. “Nós fazíamos também muitos tipos de consertos e os problemas mais comuns eram o couro rasgado, que precisava ser costurada uma emenda por baixo. Nós cortávamos a meia sola, às vezes a parte da frente, as vezes a do salto. Às vezes eu dizia para meu pai que hoje ele tinha feito milagre, porque parecia que não se consertava mais.”
O exímio sapateiro trabalhou até o fim da vida. Quito afirma que a sapataria acabou sendo fechada pela mãe, que já estava cansada do serviço. “Ele praticamente trabalhou até morrer e se alguém ainda chegasse lá para fazer um sapato, ele fazia. As formas estavam todas lá, as ferramentas estavam todas lá, era só usar. Ele sabia lidar com máquina de costura, sabia lidar com fios de costura de sola, por isso, ficou conhecido em tudo quanto é canto.”
Alwin Blank trabalhou até os 77 anos, três anos antes de falecer no Hospital Santa Isabel, em Blumenau. “Meu pai era uma pessoa muito boa e ajudou muitas pessoas. E o maior aprendizado que guardo até hoje é o de não brigar, ele queria sempre o bem-estar da família.”

Futebol
Em 1938, o Alwin Blank confeccionou as chuteiras do primeiro time de futebol da então colônia de Blumenau, o São Lourenço Futebol Clube. “O sapato de chuteira é feito de um couro mais especial, que aguenta as pancadas. Meu pai fazia chuteiras aos montes. Os sapatos saiam com borracha, as travas, todo ele reforçado para dar chute”, explica Quito.
Homenagem
Em 1982, o então prefeito de Pomerode, Henrique Drews Filho, promulgou a lei que denominou algumas vias públicas, entre elas a Rua Alwin Blank, no Centro.
No arquivo digital de Leis Municipais do município, consta a seguinte informação na Lei nº 501: “Rua Alwin Blank, aquela que partindo da Avenida 21 de Janeiro, propriedade de Djalma Leone, Rua do Cuniberto Bruske, até o final.”
Costureira de mão cheia
Anna, a esposa de Alwin foi a primeira professora de ginástica rítmica de Pomerode. Ela também foi uma das fundadoras da Ordem Auxiliadora das Senhoras Evangélicas (OASE) em 1929.
]E foi a responsável por confeccionar as toalhas, cortinas, e roupas de cama do extinto e saudoso Hotel Oásis, os quais eram ricamente bordados com a técnica Richelieu. Compartilhou e ensinou seus conhecimentos em artes manuais para as demais senhoras da Oase.
Atividades
Assim como outras famílias do Distrito do Rio do Testo, além da atividade comercial, mantinham também uma pequena plantação e a criação de animais para consumo próprio. Mesmo no pequeno terreno atrás do sobrado, Alwin e a esposa Anna também se dedicavam a essas atividades. Segundo Quito, o pai era conhecido por manter a receita familiar de vinho de laranja e pela qualidade do mel produzido.
Casarão histórico
O sobrado que por muitos anos foi a residência de Alwin Blank ainda pode ser contemplado na região Central de Pomerode. Nas últimas décadas, o imóvel passou por várias adaptações para ter a função comercial. Entre os anos de 1988 e 2007 foi a sede do Restaurante e Confeitaria Torten Paradies.
Atualmente, encontra-se fechado e disponível para locação. Já a construção que a abrigava a antiga sapataria já não existe mais.