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Einen Blick in die Vergangenheit – De um meio de transporte à manutenção da cultura

Cocheiros recordam a importância das carroças e carros de mola para o trabalho e locomoção

Quando o homem descobriu a roda, também descobriu formas de facilitar o trabalho do dia a dia e de se deslocar de um local para outro com mais rapidez e menos esforço. Se antes as cargas eram levadas nos braços dos próprios homens ou amarradas a um cavalo, depois eram colocadas em cima de uma tábua de madeira que, por sua vez, ficava sobre as rodas.

Foi com essa evolução que se criou às carroças e, posteriormente, os carros de molas, ou kutsches, como é chamado pelos imigrantes alemães. Nos dias atuais, esse meio de transporte já não é mais tão utilizado, mas tem como propósito manter a cultura dos antepassados.

Aos fins de semana, o Centro de Pomerode é prova viva do charme que um carro de mola traz por si só. Puxada por cavalos e com flores coloridas ao redor, é impossível não se encantar quando você se depara com esses veículos. Dentre os tradicionais cocheiros da cidade, nome dado a pessoa que conduz esse meio de transporte, estão Renaldo Sievert e Herbert Schroeder.

Eles já conquistaram o coração de muitos turistas e também dos moradores da cidade mais alemã do Brasil. São responsáveis por fazer um passeio pelos pontos turísticos do município não por um veículo qualquer, mas por um que teve importância muito grande há séculos e também décadas.

Desde a infância: Renaldo Sievert aprendeu desde criança a lidar com cavalos e, anos depois, tornou disso sua profissão / Foto: Laura Sfreddo

Exemplo que vem de casa

Renaldo Sievert, de 77 anos, viu e presenciou de perto o quão necessário eram as carroças e os carros de mola para o dia a dia. Aprendeu desde criança a lidar com cavalos e, com oito anos já cilhava o animal e ia para a roça para pegar lenha.

Em uma dessas idas, relembra que, como ainda não tinha muita noção do que poderia ou não, colocou mais carga do que os cavalos aguentariam. “Meu pai olhou e disse que aquilo não daria, que era peso demais. Descarregamos metade e daí foi.”

Renaldo buscava no pai um exemplo de pessoa e, por isso, sempre observava o patriarca com o objetivo de entender como fazer as coisas para, então, poder ajuda-lo. “Ele sempre falava comigo em alemão, eu não sabia falar português. Quando comecei a ir pra aula, tive que aprender na marra e foi mais difícil do que aprender a montar os cavalos na carroça”, revela.

Na vida profissional, trabalhou nove anos na Porcelana Schmidt e mais 15 anos na fiação da Karsten que, como era considerada uma atividade insalubre, contou mais como tempo de serviço. “Me aposentei em 1995, eu tinha 37 anos, um mês e 10 dias.”

Para não ficar parado, decidiu logo em seguida adquirir cavalos e relembrar a infância. Em 2003, foi a vez de comprar o primeiro carro de mola, que também é chamado de charrete. “A ideia era dar um giro domingos de manhã pelo Centro, mas quando cheguei lá na frente, de repente umas pessoas me perguntaram se não daria para fazer um passeio. Foi uma vez, foi outra e até agora nunca mais parei. Sempre gostei e amei fazer isso”, expõe.

No começo, Renaldo confessa que era muito tímido e falava pouco com os clientes. O grande motivo era porque tinha muito medo de dizer algo em português errado e se envergonhar, mas, com o tempo, conseguiu superar esse desafio. “Até hoje, se eu falo algo de errado eu peço desculpas, e alguma coisa que não sei eu falo mais ou menos e eles já entendem.”

Um transporte para vários fins

Quando criada, a carroça servia para diferentes utilidades. Levar as pessoas de um local para outro, buscar trato na roça ou mesmo transportar alimentos e cargas. A edição de novembro e dezembro de 1962 da revista Blumenau em Cadernos, que reúne parte da história da região, resume os vários fins.

Registro: camponeses com a carroça utilizada para colheita e abastecimento do celeiro de propriedade dos Bismarck / Foto: Acervo Michel Gustmann

“Para o interior da colônia, porém, apenas se ouve os estalos dos relhos e o tilintar das guizos pendurados nos pescoços das parelhas de cavalos que, puxando pesadas carroças de quatro rodas, levam e trazem as mercadorias para as transações comerciais entre colonos e comerciantes, servindo ainda de veículo de ligação do comércio e trânsito até os mais longínquos pontos da colônia e portador da cultura e notícias vindas da velha Europa e dos demais Estados do Brasil. E, em sucessivas levas, estas mesmas carroças transportam novos grupos de emigrantes alemães, italianos e Poloneses, enquanto nós, observando todos estes movimentos, vagamos despreocupados pela artéria principal de Blumenau (…).”

Mobilidade: abertura da estrada na “curva do Tiedt”, próximo a empresa Kyly, feita com o auxílio de cavalos / Foto: Irena Tiedt

Em Pomerode, o uso não foi diferente. Exemplo disso foi em março de 1900, quando mais de 100 carroças se reuniram para prestigiar a inauguração da torre da Igreja Evangélica de Pomerode, o que atestou o grande número de fiéis que se deslocaram até o local para a grande solenidade, assim como relata a edição de abril de 1965 do Blumenau em Cadernos.

Além disso, nos primeiros anos de atuação da Agência Postal de Pomerode, que começou a funcionar em maio de 1910, as malas postais eram transportadas de Blumenau a Pomerode, e vice-versa, em carroça conduzida por Alberto Kanitz (edição de março de 1981).

O livro do Museu Pomerano “Acervos museológicos: lugares e tempo de memórias na perspectiva da história oral”, escrito pela historiadora Roseli Zimmer, aborda a utilização desse veículo. “A carroça foi durante um longo período da história de Pomerode o principal meio de locomoção, de transporte e de comunicação entre o município e os demais da região. Na propriedade rural, esse veículo facilitava os trabalhos da lavoura. Para a abertura de novas roças, era necessário a derrubada de mata e as toras eram levadas de carroça até as proximidades da casa ou diretamente às serrarias para a obtenção de madeira para a construção de novas residências”, descreve.

Blumenau e os primeiros automóveis: carroças circulam no trecho da Rua XV de Novembro / Foto 6: Arquivo histórico/Edição de novembro e dezembro de 1962 da revista Blumenau em Cadernos

Além disso, a carroça foi uma das grandes responsáveis da indústria que tinha como base o leite, mas isso é assunto para o próximo caderno.

Posteriormente, esse veículo foi evoluindo e ganhando cada vez mais luxo, se transformando no carro de mola ou kutsche. “O pessoal ia passear com isso nos domingos, ia para a igreja, de um vizinho para outro, essas coisas”, evidencia Renaldo.   

Desde 2003, o cocheiro já teve cinco carros de mola, sendo que a primeira foi vendida para um comprador de Pomerode e duas foram para a Florianópolis. Atualmente, trabalha nos fins de semana e feriados e alterna entre as duas kutsches. “Alguns turistas me ligam e perguntam se posso fazer o passeio com eles. Até o Centro, dá uns seis a sete minutos, isso é um ‘tapa’, pega a ‘primeira’ [marcha], a ‘segunda’ e vai”, comenta rindo.

Sobre a experiência que tem com o trabalho, ele conta que os clientes sempre elogiam e terminam o passeio com um grande sorriso no rosto. “Eles adoram, me cumprimentam, dizem que foi muito bom, que vão voltar de novo, perguntam meu nome. Já teve gente que voltou e disse que já veio na minha casa 10 anos atrás, isso aconteceu esses dias.”

Transporte: com sua kutsche, Herbert Schroeder foi o responsável pelo deslocamento de diversos noivos / Foto: Laura Sfreddo

Levando os noivos para o altar

Assim como se utilizava o carro de mola para levar as pessoas aos locais, eventos e Igreja, esse meio de transporte também estava presente nas cerimônias de matrimônio. Na revista Blumenau em Cadernos, muitos eram os relatos que recordavam esses momentos.

“Chegou o dia do casamento. Já de manhã bem cedo, o movimento era grande. Aquecia-se o forno para os assados de galinhas e gansos; outros enfeitavam as carroças que transportariam os noivos e as testemunhas até a igreja.” (Edição de setembro/outubro de 1969)

“Dona Hilda lembra também que além da carroça, seu pai usava, para os passeios a localidades mais próximas, como ir à Igreja ou a Indaial, o carro de mola, que era a condução mais confortável e luxuosa da época. Este tipo de veículo era muito usado como carro de aluguel, nos casamentos da época, servindo para conduzir os noivos e os padrinhos e eram muito enfeitados com folhas de palmitos e flores.” (Edição de março de 1983)

“Entre todos os festejos, os de casamento eram os mais importantes e divertidos da Comunidade, e como as festas dos Atiradores, geralmente, duravam três dias. Os preparativos para essas festas eram feitos com muita antecedência e tanto o noivo como a noiva faziam a sua tradicional despedida de solteiro (“Polter abend”). Quando os noivos não promoviam o “Polter abend” era comum os vizinhos jogarem os cacos de vidro ou louça dentro da casa da noiva. O bonito dessas festas era o cortejo nupcial que em lugares sem estradas era feito à cavalo especialmente ajaezado para a ocasião. O cortejo era feito com carroças ou carros de moIa (“Kutsche”), tanto as carroças como os carros de mola eram enfeitados com palmitos e flores.” (Edição de outubro de 1983)

No entanto, com a chegada dos carros, os noivos deixaram de lado a kutsche e abriram espaço para os veículos mais modernos. Mesmo assim, atualmente, há alguns casais que decidem reviver suas raízes e, para isso, entram em contato com pessoas que realizam os passeios. O cocheiro de Pomerode, Herbert Schroeder, de 62 anos, é um dos que realiza esse serviço.

“Veio um pessoal de Blumenau, eles queriam fazer um casamento com charrete, fomos com três para lá e levamos para o casamento. Também já levei casais pomerodenses para vários casamentos”, lembra. Inclusive, foi o responsável pelo deslocamento de recém casados, integrantes do Grupo Folclórico Alpino Germânico, da igreja ao clube em que iriam realizar a comemoração.  

Herbert, assim como Renaldo, aprendeu a lidar com cavalos desde criança e nutriu o amor por esse animal com o passar dos anos. “Me casei e, em 1987, comprei umas vacas e um cavalo. De lá em diante, fui com carroça pegar trato”, explica.

Posteriormente, ele decidiu adquirir um carro de mola, já que sempre via esse veículo nos desfiles da Festa Pomerana. Herbert não se recorda ao certo o ano em que comprou, mas acredita ter sido em torno de 1995. A ideia, na época, já era utiliza-lo para ofertar passeios, mas somente aos fins de semana, já que durante a semana trabalhava em uma empresa. “Era puxado, mas sempre gostei muito. Agora, trabalho só sábados, domingos e feriados.”

A primeira kutsche de Herbert precisou de uma grande reforma. Depois, pegou mais uma, com dois bancos e, por fim, a que tem hoje, com três bancos. “O emplacamento dela é de Jaraguá do Sul, mas o proprietário morava em Pomerode. O último emplacamento dela foi em 1966, é toda original”, revela.

Das histórias que marcaram o cocheiro, uma delas ocorreu quando era criança. “Meu pai me cortou um dia com machado na perna, eu tinha seis anos. Na época, não tinha carro, então ele me levou de carroça para o médico, foi pelo rio, nem ponte não tinha”, lembra.

Independente do quanto o mundo evolua, algumas coisas nunca perderão seu valor. Entrar em um carro de mola, kutsche ou charrete e passear por um veículo sendo puxados com o cavalo sempre será uma experiência inesquecível e que você irá querer desfrutar de novo.

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