Se considerarmos a palavra “OÁSIS”, nos remetemos a um lugar no meio do deserto onde você encontra sombra e água fresca. Um lugar para descansar, pousar, se recuperar e continuar uma viagem “no meio do nada”. Remeter esse conceito para uma pequena vila de 7.000 mil habitantes em um vale repleto de florestas e cheio de rios e riachos, parece não fazer sentido. Mas, na pequena Pomerode da década de 1940 algo majestoso foi construído. Se a comunidade vivia de forma modesta e sem luxo, e ainda, um povo majoritariamente de origem pomerana que preza pela simplicidade, como isso foi possível? E, como poderia isso dar certo num local muito distante dos grandes, modernos e efervescentes centros urbanos que já existiam no Brasil? A façanha está conectada com a imigração do alemão Hermann Gehrmann que chega ao Brasil em 1924 acompanhado de sua irmã Bertha.
Hermann Gehrmann. Acervo: Ilone Letzner Gehrmann
Motivados por uma nova oportunidade e em busca de terras que eram escassas numa Alemanha pós I Guerra Mundial, ambos se instalam em São Bento do Sul. Seu irmão Heinrich também o inspirou a emigrar, pois chegou em terras brasileiras meses antes. Em São Bento do Sul, Hermann conhece sua futura esposa Ida Rothsal e se casam em 1925. O casal laborava no campo e também promovia “curas” (prática que Hermann aprendeu com seu irmão Heinrich), migrando para Pomerode possivelmente na década de 1930. No início da década 1940, Hermann e Ida moravam numa casa de madeira alugada na rua Fritz Wachholz. Em São Bento do Sul praticavam benzimentos, massagens e curas em geral. Hermann atendia pessoas que buscavam a cura para doenças e dores, atuou como “curandeiro”. Em Pomerode, acabou ficando bem popular e com o dinheiro “que entrava” conseguiu construir um local próprio para atender as pessoas denominado de “hospital”. Com o tempo, sua prática de “medicina alternativa”, passou a não ser mais muito bem vista, e surge a ideia de transformar o hospital em hotel.
Surge o embrião do Hotel Oásis por volta de 1946. O vale do Rio do Testo (Pomerode), foi rota durante muitas décadas para tropeiros, comerciantes e como ligação estratégica entre Blumenau e Joinville (BR 101 só surgiu em 1973). Então, Pomerode de certa forma tinha um posicionamento estratégico entre as maiores cidades da região. O imigrante alemão Hermann Gehrmann que nasceu na cidade de Athenstedt (Halbestadt), percebeu essa oportunidade.
Hermann já era amante de viagens e da boa comida, apreciava obras de arte e gostava de ambientes com requinte e glamour. Viajava e participava por exemplo consecutivamente de festas de carnaval no Palácio Quitandinha no Rio de Janeiro. Foi uma das inspirações para as festas de luxo que viriam a acontecer no Hotel Oásis, tendo como característica os confetes e serpentinas espalhadas pelo chão. Em 1950 começaram a ser realizados no Hotel os eventos pagos, e com eles, apresentações de grandes orquestras internacionais como o “Cassino de Sevilha”, “Los Guarachos”, “Suspiros da Espanha” e a “Orquestra de Valsa de Viena”.
Mas as orquestras nacionais também faziam sucesso, como “Ruy Rei e sua Orquestra”. Naquele momento, Pomerode se tornou o centro de atenção dos jovens de classe média alta no Brasil, ou no mínimo de Santa Catarina. As decorações temáticas nos ambientes do Hotel eram exuberantes: dálias e palmas (flores raras) espalhadas por todos os ambientes: velas que traziam um ar romântico: na pista central de tacos sempre bem encerada, os casais dançavam até o amanhecer. Hermann não economizava quando o assunto era Hotel Oásis.
Curt Weege ainda em vida destacou que além de trabalhar para Hermann no Hotel como garçom, também auxiliava na decoração para que tudo estivesse perfeito para as luxuosas noites. Gehrmann preferia que as coisas viessem de fora, como flores e os ingredientes para elaboração do cardápio gastronômico. Na cozinha, que sua esposa Ida coordenava, os ingredientes vinham de forma majoritária de Blumenau e os pratos servidos à francesa. Os canapés e docinhos vinham da casa especializada “Kieckbusch”. Entre as bebidas servidas estavam o “Champagne”, vinho e “Whisky”. Copos de cristal, pratos rasos e fundos eram presença constante nas mesas. Entre uma refeição e outra servida ao longo do dia, os hóspedes trocavam de roupa, para cada refeição um traje diferente, um desfile diário da demonstração do poder aquisitivo dos frequentadores. Aquele que podia se hospedar no Oásis, sabia da necessidade de trazer um belo guarda-roupa para a estada.
Hermann comandava cada detalhe das decorações e Curt Weege com o tempo aprendera a fazer os majestosos arranjos. Mais tarde Curt também começou a fazer coroas de flores para os sepultamentos na cidade, o que lhe rendia um recurso financeiro extra, pois não havia floriculturas no vale. Curt também relatou que na entrada da porta principal, à direita, havia um ambiente tanto para só fumar um charuto ou para uma conversa mais a sós. Em outra sala do Hotel, havia os jogos. Entretenimento não faltava aos hóspedes e o cassino era aberto ao público. Somente as pessoas mais influentes acessavam esse ambiente, pois “os jogos de azar” não eram anunciados “aos quatro ventos”. A pujança do Hotel Oásis numa pequena vila no interior do Estado pode ser considerada uma façanha, e, “um Oásis no meio do nada”. Por aproximados 15 anos Hermann trouxe diariamente o requinte e novas perspectivas para a então Pomerode. Quando em 1963 Hermann ficou viúvo, isso o abalou emocionalmente e também os negócios, que começaram a “desandar”.
Conta-se que a esposa Ida tentava manter as rédeas das finanças, uma missão nada fácil considerando que Hermann em suas viagens experimentou o que havia de melhor, e isso queria oferecer aos seus hóspedes. O Hotel acabou fechando as portas e Gehrmann meio que ficou sem “norte”. Passou a morar de favor na casa de amigos e parentes. Mais tarde foi morar com sua irmã Bertha em Joinville e na sequência no Ancionato Bethesda, onde faleceu em 1981. Mas, retornando aos tempos áureos do Oásis, o casal Gehrmann foi gradativamente migrando suas atividades de curandeiros para gestores do Hotel. O empreendimento começou pequeno, mas logo avançou de forma célere, espantando o pequeno Vale do Rio do Testo. O que é que se está fazendo ali? Que investimento grande! Perguntas frequentes sobre aquela estrutura que de hospital se transformava em Hotel. Foi inaugurado oficialmente em 1º de dezembro de 1950, conforme consta em reportagem publicada no jornal “O Estado” em 1978. Mas, sabe-se que as festas promovidas pelo “curandeiro” haviam começado bem antes. Naquela ocasião, o Hotel Oásis era considerado o único Hotel de luxo do sul do Brasil e foi comparado ao Palácio Quitandinha, este, inaugurado em 1944 em Petrópolis (RJ). Então, o Oásis ganhou a referência de “Quitandinha do Sul”.
Os aposentos apresentavam aspectos “Hollywoodianos” e caracterizados imitando os cassinos europeus que faziam sucesso na Normandia (França). Hermann visitou o Quitandinha diversas vezes, um ambiente luxuoso com banheiros de mármore, pingentes de cristal nos lustres e frequentado por milionários, atrizes e políticos. Gehrmann se inspirou no Quitandinha e de lá trouxe muitas ideias. Quando o Hotel Oásis abriu as portas para o público em geral, ficou imortalizado na memória de muitas famílias pomerodenses. O Hotel se tornou um sonho para quem somente o observava do lado de fora, e um deleite para quem dentro dele rodopiava na pista com tecidos nobres e usufruía da melhor comida e bebida servida nas porcelanas finas da marca alemã Rosenthal. Conta-se que Gehrmann organizava eventos solicitados por políticos de Santa Catarina. Em setembro de 1960 recebeu Jânio Quadros. Getúlio Vargas também visitou o Hotel acompanhado de Irineu Bornhausen, este aliás era frequentador assíduo do Oásis, tanto que celebrou suas bodas de prata no Hotel com a esposa Marieta Konder Bornhausen em 09 de fevereiro de 1953.
Hermann apreciava muito a arte e tinha muita dedicação com os detalhes, tudo tinha que ficar em perfeita harmonia. As acomodações eram compostas por 12 quartos, entre eles os com temática “Alemã”, “Chinesa” e “Portuguesa”. O quarto com temática chinesa por exemplo, tinha desenhos orientais feitos por artistas plásticos europeus, os quais Gehrmann contratava. Esses artistas vinham ao Brasil, ficam uns 04 meses com tudo pago, e após executadas as obras retornavam. O Hotel era uma exposição permanente de trabalhos de artistas plásticos importantes na época, obras que ficavam espalhadas pelas dependências do Hotel.
As obras desenhadas nas paredes do Hotel pelo pintor austríaco Hans Zangel, retratavam aspectos peculiares da colonização de Santa Catarina. Gehrmann era amante das mais diferentes culturas e tradições. As colunas centrais do Hotel apresentavam esculturas inspiradas na mitologia grega. Feitas de cimento, tijolo, areia e até em seu interior pedaços de madeira, foram elaboradas pelo escultor Erwin Curt Teichmann em 1952. Essas 07 esculturas não foram destruídas em 1983, quando um trator desmanchou as ruínas que ainda existiam na propriedade. Rubens Radke as “salvou” antes do desmanche das ruínas, obtendo autorização do dono do terreno de poder retirá-las.
As esculturas ficaram com a família Radke até meados de 1998 a 1999, quando foram vendidas para o empresário Wandér Weege. As sete esculturas foram restauradas por Hermann Theichmann, filho do escultor. Atualmente as esculturas que são acervo do empresário Wandér Weege, estão expostas no hall do Teatro Municipal de Pomerode. No Hotel também havia muitas outras obras de Erwin Curt Teichmann. Gehrmann fora o mecenas do escultor, viajavam juntos para divulgar o artista e patrocinar as exposições. Seu bom gosto, seu fascínio pela arte e a determinação de oferecer e atender com o melhor que havia disponível, fez com que cada vez mais gastasse mais do que podia. Ele gostava do luxo, “do chique”.
Alguns destacam que Hermann não era um bom administrador, e isso, gradativamente o levou a falência financeira. O Hotel fecha suas portas por volta de 1963/1964. Grande parte do que havia no Hotel falido foi utilizado como forma de pagamento, logo depois ocorreu o abandono do prédio. Aos poucos, a natureza foi tomando conta do local, com o teto apodrecendo e entre uma pedrada e outra arremessada pelas crianças, as janelas iam sendo invadidas pelas trepadeiras que “abraçavam” o prédio como um todo. As pessoas passavam na frente do local abandonado que despertava um ar misterioso, e, muitas invasões e histórias foram sendo criadas em torno daquele cenário. As areias que um dia haviam sido retiradas do Rio do Testo e usadas para a construção do “Castelinho”, aos poucos iam desmoronando e sendo soterradas em 1983. Seu pouco tempo de glória, deixaram no imaginário muitas histórias e lendas.
*O livro OASIS ERINNERUNGEN de Betina Riffel foi uma fonte importante para elaboração deste artigo.