Uma arte repleta de florais, com linhas simples e cores vivas dá vida ao maior ovo de Páscoa do mundo. A inspiração da artista plástica Joana Wachholz foram os tradicionais bordados, uma característica marcante das manifestações culturais dos Kaschuben. De acordo com o pesquisador Genemir Raduenz, esse era um povo geralmente de condições de vida modesta e camponesa. “Então, os traços simples da arte expressam isso.”
A história dos Kaschuben quase passa despercebida aos olhos de quem deslumbra a obra gigantesca. Mas, o povo de origem simples influenciou os imigrantes pomeranos que anos mais tarde chegaram ao Brasil.
Os descendentes dos Kaschuben ainda podem ser encontrados no Norte da Polônia, mais a leste do Mar Báltico. “Claro que hoje é um pequeno fragmento se comparado à extensão que esse povo eslavo já ocupou um dia, sendo obrigados a frequentes movimentos territoriais.”
Segundo Genemir, nas terras próximas ao Mar Báltico, que pode ser considerado o berço da antiga Pomerânia, os Kaschuben ocupavam vastas extensões. “Para se ter uma ideia, no período do início da Idade Média, eles estavam em vastas regiões, incluindo Belgard e Neustettin.”
Mas, ao longo dos séculos, os Kaschuben sofreram fortes influências e intervenções em sua cultura, seja pelas constantes campanhas de germanização da região e também pelas divisões políticas. “Como, por exemplo, as dinastias dos duques da Pomerânia que mudavam há ‘toda hora’ as configurações territoriais da região. A Pomerânia ao longo do último milênio foi um grande ‘campo de invasões’, das mais diversas tribos, e nesse ambiente viviam os Kaschuben”, explica o pesquisador.
Por volta do ano de 1648 essa região da Pomerânia se tornou parte do reino de Brandenburg (germânicos) e a língua Kaschubiana naquele momento foi proibida no sistema escolar e na literatura. Nas décadas seguintes, na região de Stolp e Schlawe, por exemplo, a cultura Kaschubiana foi totalmente germanizada.
“Então, quando falamos da Pomerânia ocidental, a cultura deste povo eslavo foi de certa forma ‘varrida’, e os remanescentes foram sendo empurrados para a parte mais oriental da Pomerânia (para o leste), onde atualmente ainda é possível encontrá-los, hoje totalmente integrados aos poloneses.”

Integração de povos e uma cultura enriquecida
De acordo com Genemir, como os Kaschuben são um povo integrado à história da antiga Pomerânia, claramente parte da sua cultura influenciou o que conhecemos atualmente como povo e descendentes pomeranos. “Eu diria que essa profusão ao longo de séculos, de tribos eslavas e tribos germânicas, é o resultado do povo pomerano.”
Genemir explica que no início da Idade Média (século V) havia Kaschuben na região de Belgard onde viveram por séculos. Depois, por volta do ano de 1250 o duque Barmin I promoveu o assentamento de camponeses, comerciantes e artesãos germânicos a fim de povoar mais a região e introduzir novas tecnologias no campo. “Logo, ocorreu uma integração de eslavos e germânicos, claro que a visão aqui é bem generalista. Então, os pomeranos, e, por sua vez, os imigrantes que de forma majoritária ocuparam o Vale do Rio do Testo, têm influência eslava dos Kaschuben”, afirma o pesquisador.
Famílias como Günther, Hass, Lach, Steinert, Trettin e Zinnke são provenientes da região de Belgard, onde os Kaschuben viveram durante séculos. “Isso não quer dizer que os imigrantes pomeranos que aqui chegaram são Kaschubianos, quero ressaltar que o povo pomerano tem influência dos Kaschuben (eslavos), já que, como citado anteriormente, os pomeranos são uma profusão/integração cultural de séculos, principalmente de eslavos e germânicos, e os Kaschuben de certa forma estão presentes em nosso DNA ancestral”, ressalta.
A arte Kaschuben em solo pomerodense
Rica em história e, ao mesmo tempo, com traços marcantes, a arte Kaschuben impressiona pela simplicidade com que é reproduzida ao longo dos anos.
Uma das personagens mais marcantes de Pomerode, a saudosa Schwester Anita, descendente da família Günther de Belgard, onde os Kaschuben viveram durante séculos, sabia da importância do reconhecimento e manutenção da cultura Pomerana. “Ela foi uma personagem altamente culta da comunidade pomerodense, que inclusive visitou a antiga Pomerânia, tendo clareza da influência eslava na formação do povo pomerano, e da participação dos Kaschuben neste processo.”
Schwester Anita fez parte do conselho da Fundação Cultural de Pomerode e também contribuiu com a formação do Grupo Folclórico Pomerano. “Por isso, o primeiro traje típico oficial foi o ‘KaschubenTracht’, destacando os bordados florais. Eu diria que é uma das únicas evidências deste povo ancestral em terras pomerodenses e toda a região.”
Genemir reforça ainda que a artista plástica, Joana Wachholz, se inspirou no traje típico Kaschubiano para desenvolver a arte do ovo gigante. “Então, temos um ovo no Guinness World Records que traz uma arte ancestral dos Kaschuben, que faz parte do povo pomerano, ou seja, um ovo que é uma manifestação cultural que reflete séculos de conexão.”

Segundo o pesquisador, pode se dizer que, de todas as edições já feitas, essa efetivamente tem o lastro histórico-cultural com os imigrantes que ocuparam Pomerode e que forjaram a identidade cultural da cidade. “É bastante difícil você encontrar evidências que remetam a esse povo ancestral/medieval. Basicamente conhecemos somente a questão dos bordados florais, talvez pelo fato de poucos estudos realizados.”
Para Genemir, é possível que outros aspectos culturais desse povo tenham se perdido com o tempo, exatamente pela complexidade com que a sua história acabou também se dissolvendo a outras. “A identidade Pomerana já impõe enorme complexidade para demonstrar a diferença entre alemães e pomeranos, por exemplo. Então, a influência Kaschuben é muito mais específica e certamente ficou ‘perdida’ nos processos de emigração. Por isso, essa manifestação no ovo é inédita e histórica. Acredito que muitos não imaginam do quão especial é isso”, conclui.