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“Um dia nós vamos nos abraçar novamente, ele vai me abraçar muito assim como eu a ele”

Elizabeth Roiek, mãe do cabo Alexandre Maciel, fala sobre a dor de perder o filho e os ensinamentos deixados por ele

“A saudade machuca, porém também é a prova de que aquilo que vivemos foi muito bom”, as palavras são de Elizabeth Aparecida Roiek, de 61 anos. Há pouco mais de um ano, ela enfrentou o momento mais desafiador de sua vida, se despedir do filho mais velho, o cabo da Polícia Militar Rodoviária, Alexandre Maciel, morto durante o cumprimento do dever que escolheu para si, uma profissão pela qual tinha verdadeira paixão.

Uma infância repleta de memórias

Além de Alexandre, Elizabeth também é mãe do biólogo Leandro Maciel. Alexandre nasceu quando ela tinha 18 anos e morava em União da Vitória, município paranaense que faz divisa com Santa Catarina. O esposo dela, na época, tinha problemas de alcoolismo, situação que exigiu ainda mais força da jovem mãe. “Foi o Alexandre que me ensinou o que é ser mãe, eu não tinha nenhuma experiência, precisei aprender tudo e me virar sozinha. Não foi fácil, mas ele sempre foi minha alegria”, revela. Após um ano, a família foi morar em Curitiba e, três anos mais tarde, chegou Leandro.

Os dois irmãos sempre foram muito unidos, estudiosos e, como todas as crianças, um tanto espoletas. “Quando chegava do trabalho, não precisava pedir se tinham feito a lição, eles gostavam de estudar e se dedicavam muito, sempre me deixavam muito orgulhosa. Eles não eram de aprontar, apenas coisas de crianças. Quando voltamos para União da Vitória, morávamos a cerca de 300 ou 400 metros de um riozinho, o Alexandre aprendeu a nadar lá e ensinou o Leandro, sem eu saber”, relembra.

Os meninos responsáveis e que tinham apresso pelos estudos cresceram, se formaram e foram em busca de seus sonhos. Alexandre tinha graduação na área da computação e depois cursou outras duas graduações, mas trazia consigo o desejo de seguir carreira militar. Ele foi do Exército, depois ingressou na Polícia Militar e, por fim, atuou na Polícia Militar Rodoviária Estadual de Santa Catarina.

A vida em Pomerode

Os caminhos que trouxeram a família a Pomerode começaram a ser traçados quando Alexandre passou para o efetivo da Polícia Militar. A mãe e o irmão vinham visita-lo e, algum tempo mais tarde, Leandro decidiu entregar um currículo no Zoo Pomerode para atuar em sua área de formação. Ao ser chamado, mudou-se também para a cidade mais alemã do Brasil.

Pouco depois de se aposentar, Elizabeth não pensou duas vezes e deixou a vida que conhecia para trás para ficar próxima aos filhos. Com um sorriso nos lábios, ela lembra que Alexandre a pediu que não cometesse nenhuma infração de trânsito, pois se ele estivesse de serviço, aplicaria uma multa a ela. “Eu andava a 10 KM/h nessa cidade, com medo de ser multada”, conta.

Ainda enquanto integrava a Polícia Militar, Alexandre atuou no Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), um trabalho que amava desempenhar. “E ele sempre levava o Evan junto”, completa.

Evan, hoje com 23 anos, é o filho mais velho de Alexandre, nascido do coração, juntamente com o casamento com a esposa Deise. Mais tarde, o casal teve o segundo filho, Gabriel, hoje com 14 anos. Elizabeth lembra que Evan enfrentou uma série de problemas de saúde, mas teve Alexandre sempre ao seu lado. O vínculo do pai com ambos os filhos sempre foi muito forte, um amor recíproco, puro e intransponível.

A despedida abrupta

Todas essas lembranças aquecem o coração da mãe, mas também fazem as lágrimas rolarem pelo rosto. Em 24 de abril de 2022, o cabo Alexandre Maciel não resistiu aos ferimentos após ser atropelado por um veículo que fugiu de uma barreira policial. Policial há 16 anos, atuava há 10 no posto da Itoupava Central.

Na tarde daquele mesmo dia, Elizabeth olhou pela janela do apartamento onde mora e pensou que talvez receberia uma visita do filho durante aquele domingo, sem saber, naquele momento, que ele estava de serviço no dia. “Eu estava esperando por ele, pelo abraço dele, pelo beijo dele”. Mais tarde, quando recebeu a notícia, viveu a maior dor que uma pessoa pode experimentar. “Eu lembro exatamente do que senti no parto, e posso lembrar exatamente do que senti na partida dele. Eu teria 30, 300, 3 mil partos para ter ele aqui perto de mim.”

Os dias que se seguiram à partida do filho foram confusos e angustiantes. Precisando da ajuda de remédios, ela contou com o amor e o cuidado de amigas e família, o amor dos netos e a espiritualidade para começar a se reerguer. A luta, no entanto, não é simples e continua dia após dia.

Elizabeth explica que já precisou se despedir do pai, da mãe, da irmã e da sogra, porém a perda do filho se mostrou intensa de uma forma devastadora. “É como se ele tivesse levado um pedaço de mim junto. Eu sou obrigada a chorar quando estou no banho, quando estou sozinha, quando quero olhar as fotos dele. Porque a saudade é tão grande, que quem nunca passou por isso não faz noção.”

Foto: Arquivo pessoal

Uma homenagem de mãe para filho

Quando convidada pela equipe do Testo Notícias para a entrevista, Elizabeth aceitou como forma de homenagear o filho querido e todo legado que ele deixou para traz. Uma sequência de ensinamentos que impactou a vida de muitas pessoas, incluindo o irmão, os filhos, a esposa e toda família.  

Ao perguntarmos qual a lição mais valiosa que ele ensinou à mãe, Elizabeth recorda da partida da irmã. A família é espírita e quando o momento da despedida se aproximou, ela chamou Alexandre e Leandro para ficarem ao lado da tia. Em dado momento, a tristeza foi tão intensa que ela precisou sair para chorar.

“Ele me levou para debaixo das árvores e disse: ‘mãe, quero te pedir uma coisa’, mas eu acho que ele já sabia que iria também. Ele disse, ‘você tem que se desapegar das coisas’, e eu disse que nunca fui apegada a nada, a marcas, casam móveis e coisas. Então ele disse, e eu me surpreendi: ‘mãe, o corpo da pessoa é uma coisa, você tem que desapegar das pessoas também, porque o corpo é só um invólucro, ele vai, mas um dia nós vamos nos encontrar todos novamente’. Eu não tinha notado que ele se referia ao corpo como uma coisa, e tem tanta gente que puxa a ruga pra cá, parta lá, e ‘ah, porque meu sapato, minha bolsa’. Conheço centenas de pessoas assim, quanta mesmice nessas coisas, e enxergar tanta pureza no Alexandre… isso para mim foi muito importante. Ele provava, a todo instante, o amor”, conta, emocionada.

Essa essência que ele deixou para trás continua despertando lembranças. No dia seguinte a sua morte, policiais militares de todo o estado fizeram uma homenagem a ele e, pontualmente às 13h, as sirenes soaram e o silêncio tomou conta do restante.

Ao completar um ano de sua partida, ele foi lembrado pelos militares em União da Vitória. Ainda nesse mês de maio, foi um dos homenageados pela Corrida do Maio Amarelo (mês que trata sobre a conscientização no trânsito) em Indaial.

Uma homenagem do filho para a mãe

Com muito carinha, Elizabeth guarda a última homenagem feita por Alexandre a ela.

“Falar da minha mãe Elizabeth Roiek nesse dia tão especial é muito fácil. Defino como uma mulher guerreira, exemplar e justa.

Guerreira, pois conheceu a pobreza e deixava de comer para dar aos filhos; Que era agredida por consequência do alcoolismo, porém tentava ao máximo isolar os filhos dessas condições de sofrimento; Que mesmo debilitada por uma doença autoimune, que lhe causa dores incessantes [Elizabeth luta conta a espondilite anquilosante e toma cerca de 12 medicamentos diariamente], não deixou de cuidar da sua irmã até o desencarne e de sua mãe até quando foi possível.

Exemplar, pois suas condutas sempre serviram de base para eu e meu irmão trilharmos na vida, de forma correta. No meio em que vivíamos, onde vários vizinhos ou estão mortos ou estão presos pelo tráfico, conseguimos optar por um caminho mais difícil, porém recompensador, o caminho da dignidade, estudo e muito trabalho.

E justa, pois nos momentos que estávamos desviando da linha da vida, nos alinhava novamente, muitas vezes com sofrimento, porém sofria junto e servia de escora para que pudesse levantar.

Mãe, pode ter certeza que quando no palco espiritual, na escolha da vinda e esse plano, fiz a melhor opção de evolução, pois me ensinou com fé, amor, respeito ao próximo e perdão, conseguimos ser felizes e mesmo em condições adversas, repassar o conhecimento e evoluir cada vez mais.

Só posso dizer nesse dia, meu muito obrigado, sei que toda mãe é especial, mas você é muito mais…

Te amo eternamente em todas as vidas que nos cruzarmos”

A certeza do reencontro

Elizabeth pede que, nesse cotidiano tão corrido, as pessoas não se deixem levar no automático e, mais do que isso, façam uma reflexão. Quando brigados com a mãe, pai, companheiro(a), amigo(a), fechem os olhos e se imaginem no funeral dessa pessoa, coloquem-se no lugar de quem está se despedindo, e se perguntem se aquele desentendimento realmente vale a pena.

“A coisa que eu mais gosto hoje em dia é sonhar com ele. Nesses momentos, parece que ele vem me visitar. Você imagina tudo, menos um filho dentro do caixão, por isso peço às pessoas que façam essa reflexão. Me vejo na obrigação pelo Leandro e pelas crianças de me manter firme, de dizer que tenho saudade, e que isso faz parte da vida. Eu acredito que um dia nós vamos nos abraçar de novo, ele vai me abraçar muito, assim como eu a ele.”

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