Nas reportagens anteriores contadas nesse multimídia, você conheceu as histórias da família Beck e de Alessandra e Tayane, provavelmente, notou que ambos os processos tomaram seu caminho a partir da atuação de um grupo de busca ativa. Além disso, há mais um detalhe que conecta essas histórias, a participação de alguém que após experienciar o amor de mãe em dose tripla, escolheu para si a missão de ser cegonha, unindo pais e filhos que só aguardavam uma ajudinha para se transformarem em família.
Foi no dia 18 de agosto de 2017 que Karol Pinto e o empresário Jonathan Roloff se tornaram pais de Ana Vitória, hoje com 14 anos, Tales, de nove anos e Maria Eduarda, sete anos. O coração do casal, assim como o perfil assinalado no momento da habilitação, estava totalmente aberto às opções que o destino lhes encaminhasse. “Estávamos habilitados há 13 dias quando recebemos a ligação falando sobre os nossos filhos. Não pedimos sequer fotos. Sempre dissemos que não interessava o rosto ou as características físicas e que, no momento que recebêssemos o contato, seriam nossos filhos, essa certeza nós tínhamos”, conta.
O casal foi até o Fórum, conversou com a assistente social e logo seguiu para o abrigo onde o trio de irmãos ficou por dois anos e meio. A partir daí, a história tem como pilares a acolhida, a entrega, a resiliência e muito, mas muito amor. No entanto, engana-se quem pensa que a ligação de Karol com o universo adotivo parou por aí, a dedicação à causa estava só começando.
Ela explica que o processo de se tornar mãe é semelhante tanto para gestações que iniciam no ventre quanto para aquelas geradas no coração, pois, em ambas, há pesquisa, dúvidas, estudo e preparação. “O que fez com que tivéssemos segurança é que mergulhamos nesse mundo, e o universo adotivo é encantador. Costumo dizer que nós precisamos construir uma cultura adotiva. Como seres humanos, a gente se adota, adota nossos amigos, nossa profissão, nossos relacionamentos, então é só uma forma distinta de exercer a maternidade e a paternidade, mas que não é inferior a nenhuma questão biológica”, contextualiza.
Quando ainda passava pela preparação para a chegada dos filhos, Karol conheceu um grupo de busca ativa que também funciona como um ponto para troca de experiências das fases de pré e pós-adoção. Cerca de 90% dos participantes são candidatos ou pais e mães por adoção, há também apoiadores e profissionais da área. Após receber os filhos em casa, ela começou a compartilhar as experiências, alegrias e desafios com integrantes de grupos como esse. Até chegar o momento em que decidiu dar um passo a mais. “Tive uma conversa com representantes do Judiciário e do Ministério Público sobre a forma como é feito o trabalho da busca ativa. Comecei então a desempenhar o que a gente chama no universo adotivo de uma ‘missão cegonha’, que é tentar cruzar as histórias de quem aguarda ser adotado com as de quem deseja adotar”, afirma.
Ela explica que os técnicos das comarcas identificam crianças e jovens que não estão conseguindo inserção em famílias. A partir daí, com a autorização prévia do Judiciário e do Ministério Público, eles têm um pouco da história contada para pretendentes devidamente habilitados. Há regras muito claras para os participantes, por exemplo, os dados das crianças e jovens não podem ser compartilhados fora do grupo. O vazamento dessas informações configura crime. A intenção é garantir o bem-estar e a privacidade das crianças, e “ao mesmo tempo oportunizar que elas tenham essa visibilidade”.

Karol desempenha a função de forma voluntária, assim como as inúmeras cegonhas espalhadas pelo país. A luta é constante e árdua, mas a recompensa por cada adoção que contou com um pouco de sua dedicação se torna imensa. “É como se houvesse a necessidade de exercer a gratidão pelos filhos maravilhosos que recebi, e fazer com que outras crianças que estão acolhidas em abrigos, esquecidas, passem a ter voz e ganhem visibilidade.”
Ela conta que o caso mais difícil em que atuou envolvia dois irmãos, um deles com 17 anos de idade. Eles estavam sendo preparados para a separação quando o trabalho incansável de cegonhas e mães conseguiu encontrar um lar para ambos. A experiência teve em si um toque muito pessoal para Karol. Isso porque, Ana Vitória, a filha mais velha, tem uma diferença de idade considerável para os dois irmãos menores (quando se pensa nos obstáculos para a adoção de irmãos). A menina também já estava sendo preparada para a possibilidade da separação e, mais tarde, contou tudo isso à família. “Ela sabia, imaginava e verbaliza isso, de que ela iria ser separada dos irmãos e depois, com 18 anos, tentaria reunir a família de novo.”
Com a consciência de quem enxerga na adoção uma decisão muito séria, Karol orienta que as pessoas pesquisem muito antes de decidir por esse caminho. Nesse quesito, em seu entendimento, não há lugar para a impulsividade. “São vidas, então tenham certeza. Conversem, busquem auxílio, se possível até mesmo um preparo psicológico, façam parte de grupos de adoção, leiam a respeito, busquem conhecimento, tratem a adoção com todo o zelo que ela merece, porque nós somos os adultos da relação”, orienta.
Todo esse cuidado, inclusive os passos que envolvem a habilitação para a adoção, têm por objetivo minimizar possíveis devoluções. Karol pede para que as pessoas tenham em mente as situações pelas quais as crianças que aguardam por novas famílias já passaram. Há feridas que precisam de muito tempo, carinho e apoio para cicatrizar. “Poucas vezes expusemos essa situação, mas os meus filhos vieram de uma aproximação interrompida. Por duas vezes, passaram pelo sentimento de não pertencimento, de rejeição e de culpa, porque eles se responsabilizam muito por tudo que aconteceu, mesmo não tendo culpa alguma. Eu poderia romantizar, mas a realidade não é essa. Então eu pediria para que, se há a menor dúvida, não adotem. E que, além disso, no momento da decisão de formar uma família por adoção, haja um preparo para todas as dificuldades e inúmeras bênçãos que irão surgir ao longo desse processo”, salienta.

Ela encerra com uma reflexão acerca da adoção tardia e da construção do amor sem barreiras como idade, gênero, raça ou de outras concepções enraizadas. “No universo adotivo, não existe essa de perder as primeiras vezes, se eu não vi o primeiro passo ou o primeiro dentinho, sou eu quem levo ao dentista quando foi pego desprevenido por uma bolada, sou eu quem está lá na primeira vez que vai para uma festa, uma baladinha, então, as primeiras vezes acontecem e vão acontecer para o resto da nossa vida.”