Acreditamos que a inspiração vem de longe ao admirarmos cantores, influenciadores digitais ou jogadores de futebol. E isso pode sim acontecer. Mas ela também reside mais perto do que imaginamos e, às vezes, está ao lado. É olhando para nossos familiares, amigos e os que estão próximos a nós que podemos admirar decisões e deixar que nossas próprias vidas sejam impactadas pelas ações deles. Esse foi o caso da família Glau, que viu a adoção transformar e completar a todos.
Tudo começou no decorrer dos anos de 2004 e 2005, período em que Suelen Denise Trettin Teske descobriu um tumor no ovário. Após alguns procedimentos cirúrgicos e percalços pelo caminho, uma notícia inesperada veio à tona: com apenas 17 anos, ela se tornou estéril. Demorou algum tempo para que toda situação fosse digerida e ela recuperasse a saúde. Depois disso, em uma conversa franca com o agora ex-marido, a decisão de adotar foi tomada, dando início a uma longa espera.
Dois anos e sete meses foi o tempo que estiveram na fila como pretendentes. O tão esperado dia chegou de mansinho e virou a vida do casal de cabeça para baixo, da melhor forma possível. Como precisavam atualizar o cadastro na Comarca de Pomerode a cada semestre, foram chamados para fazê-lo.
Ao fim, a juíza pediu para conversar com ambos. “Ela nos disse que tinha um neném esperando na outra sala e que, se a gente dissesse sim, seria nosso filho”, conta. Suelen descreve a chegada de Ryan como algo mágico. Quando saiu de casa no início da tarde, não imaginou que, em poucas horas, se tornaria mãe.
Suelen ainda não sabe explicar o que sentiu. Mas, sobre esse dia, recorda que transbordou de amor. O momento em que a porta abriu e deu espaço para o encontro entre eles sempre estará na sua memória. “Ele era minúsculo, tinha somente dois quilos e 400 gramas, muito pequeno, tão indefeso e já tinha passado por tanta coisa”, descreve.
Depois do encontro, um dos primeiros empecilhos encontrados foi em relação à falta de enxoval para a chegada de Ryan, que tinha apenas três dias de vida. O casal não possuía sequer uma peça de roupa, fralda ou mamadeira, mas era “pegar ou largar”, como lembra. “Foi uma emoção que não cabe no peito e não tem como explicar.”
Depois do mix de sentimentos ao encontrar o filho, receberam uma hora para sair e comprar o que fosse necessário para levá-lo para casa. Sem pensar duas vezes, Suelen pegou o telefone e ligou para a mãe que, segundos após receber a notícia, desligou o celular “na cara” da filha. Ela ainda não sabia, mas a felicidade da matriarca tinha sido tanta que tratou de ligar para toda família e, juntos, começaram a providenciar a lavação de roupas que tinha pertencido às sobrinhas logo após o nascimento, para que Ryan tivesse o que vestir. Além delas, a sogra também foi avisada. “Ela não esperava e só acreditou quando chegamos em casa.”
Uma das tias de Suelen que a ajudou no início foi Suzana Hornburg Glau. Ela lembra de todos os detalhes da chegada do novo sobrinho. “Foi um dia bem bonito, lavamos toda roupinha, estava todo mundo lá esperando por ele.” Talvez tenha sido durante esse momento, ou na junção de vários, que a atitude de Suelen se tornou inspiradora.

A chegada do Ryan aumentou ainda mais o desejo que a Suzana e o marido, Rildo Ricardo Glau, já tinham em adotar. A ideia de se tornarem pais adotivos havia passado por diversas vezes na cabeça do casal, porém o medo sempre prevalecia. Quando viram de perto, na família, essa experiência, não pensaram duas vezes: a hora tinha chegado.
Foi vendo o amor de Suelen e do ex-marido pelo pequeno que entenderam o que já estava guardado dentro dos seus corações e só precisava de um empurrãozinho para exalar. “O amor não tem diferença, seja por um filho biológico ou adotivo. O amor que criamos por uma criança não vem da barriga, mas sim do coração.”, declara Suzana.
A partir disso, entraram para a fila de adoção. Como não restringiram o perfil, não demorou muito para que recebessem a primeira ligação, mais especificamente depois de dois meses. Infelizmente, devido a alguns empecilhos, não conseguiram finalizar o processo. O mesmo aconteceu outras vezes. No ano seguinte, mais uma ligação. Dessa vez, a definitiva.
Era dia 31 de outubro, feriado em Pomerode. A voz do outro lado do telefone perguntava se o casal estava na fila de adoção. Quando a resposta foi positiva, o questionamento foi sobre aceitariam um menino de seis anos. Como Suzana não estava perto do marido, disse que possivelmente sim, mas que precisaria conversar primeiro com o companheiro que estava fora de casa, trabalhando. Como resposta, recebeu uma nova pergunta: se aceitariam receber em seu lar a irmã, de quatro anos. “Nos mandaram uma foto deles e eu e minha sogra não conseguimos dormir a noite inteira”, admite.
No dia seguinte, 1º de novembro, ocorreu a tomada de decisão. Coincidentemente, também é aniversário da Suzana, que acredita ter recebido o maior dos presentes. Em conjunto, ligaram de volta e combinaram de ir em 2 de novembro até uma cidade do Rio Grande do Sul, onde as crianças viviam. “Fomos até lá e foi amor à primeira vista”, afirma a mãe.
O casal ficou dois dias conversando e tendo contato com Analise e Fabrício. Quando retornaram para casa, voltaram decididos de que seriam os pais deles. Os dias foram passando, cada ligação se transformava em um novo aprendizado e dava seguimento ao processo de falar com as crianças sobre a adoção. Em uma dessas oportunidades, Ana, na inocência de uma criança, os questionou: “Vocês não querem vir buscar a gente? Pode ser de bicicleta, não precisa ser de carro”.
Rildo e Suzana retornaram para o abrigo mais uma vez antes de iniciarem o processo de adoção. Desta vez, levaram uma bolsa com fotos do casal e outros objetos que tinham por objetivo deixar claro que o casal logo seria pai e mãe deles. Além disso, conseguiram ter a liberdade de ficar com Ana e Fabrício no hotel. Ao fim do período juntos, a despedida foi novamente difícil, mas dessa vez, ainda pior.
Depois do retorno para casa, souberam que o filho mais velho levava a foto do casal consigo ao tomar banho, na escola, dizia durante as aulas e para os colegas que ele teria um pai e uma mãe e que moravam longe, mas logo iriam buscá-lo. Tudo isso fez o coração apertar de saudade e anseio.
Quando, enfim, puderam buscar os filhos para se tornarem um só coração, foram surpreendidos pela recepção da família no retorno para casa. A mãe de Rildo havia preparado tudo, o local estava todo enfeitado e muitos parentes e amigos esperavam para acolher os novos membros.
Admitem que o começo não foi fácil, principalmente pela adaptação das duas partes, mas o amor pelos filhos vence todos os desafios. Com a vinda dos dois, o casal mudou completamente, mas de forma muito natural. Hoje, Ana e Fabrício são prioridade na vida deles. “Quando você vira mãe e vamos comprar uma peça de roupa, por exemplo, é primeiro para eles, depois para a gente”, evidencia a Suzana.
Além disso, Rildo fala sobre a experiência de terem adotado irmãos. Muitos comentaram que a atitude era “loucura”, mas a resposta foi sempre sincera, genuína e clara: “Se damos conta de um, damos conta de dois. Além disso, para brincar é bom sempre ter dois. Jamais me arrependi dessa decisão.”
Uma ação que inspira outras
Quando Suelen soube que a tia e o marido entrariam para a fila de adoção, não conseguiu encontrar palavras para explicar o que sentiu. Para ela, saber que foi fonte de inspiração é gratificante e, por isso, agradece a Deus pela oportunidade de ser mãe de Ryan e por Ana e o Fabrício serem tão felizes. “O que me marca é que peguei o Ryan dia 25 de maio e, exatamente nesse dia, é o Dia Mundial da Adoção. Deus é tão maravilhoso que a gente não consegue explicar.”
Suzana e Rildo também sentem o mesmo dos filhos. Durante a vida corrida, em que trabalhavam o dia todo e ela ainda estudava à noite, Ana e Fabrício vieram quando o espaço para eles já estava aberto. “Foi tudo na hora certa”, reflete o pai.
E essa corrente de amor não parou por aí. A adoção continua inspirando outros integrantes da família, dessa vez, foi pela parte de Rildo. Isso porque um dos seus primos também decidiu adotar e está passando pelo período de adaptação. “Da mesma maneira que eles ficaram felizes pela gente, talvez eles também já tivessem a mesma vontade de adotarem um dia. Ele é padrinho do Fabrício, acreditamos que lá no fundo tem um pouco de incentivo nosso”, afirmam.

Desafios e superações
Adotar é fácil? Não, assim como não é para nenhuma mãe ou pai biológico. Os problemas existem, vão surgindo com o tempo e com o passar dos anos, mas o importante é sempre tentar vencê-los. Às vezes, conseguem de forma mais simples. Em outras é necessário uma ajuda externa e um empurrãozinho. Seja como for, ao fim, sempre se dá um jeito, pois o amor de pai e mãe é muito maior que qualquer desafio que possa surgir. Suelen, Suzana e Rildo comentam sobre as dificuldades encontradas no começo da convivência com os filhos.
Os pais de Ana e Fabrício, por exemplo, por terem os adotados quando já eram maduros para entender o que haviam enfrentado, precisaram enfrentar o medo contínuo dos filhos em serem abandonados novamente. No início, Rildo já estava trabalhando, mas Suzana estava de licença. Como consequência, eles demandavam a presença da mãe 100% do tempo, inclusive na hora de dormir. Quando a família saía de casa, os dois não deixavam o lado dos pais em nenhum momento.
A filha mais nova, inclusive, passou por períodos de bastante ciúmes com a mãe, em que nem o pai ou o irmão podiam chegar perto, quem dirá pessoas de fora da família. Para que ela conseguisse entender e trabalhar esse aspecto, foi necessário acompanhamento psicológico.
Já em relação ao processo de adoção de Ryan, Suelen também precisou enfrentar grandes desafios. Quando falamos sobre adoção de recém-nascido, todos pensam que, nessa situação, não há como surgir problemas. No entanto, não ter um histórico sobre a criança faz com que obstáculos nasçam pelo caminho.
Suelen e o então marido tinham optado por aceitar crianças de até três anos, mas acabou que o filho veio com apenas três dias. No início, sérios problemas envolvendo a saúde de Ryan foram enfrentados pela família. O pequeno sofreu duas convulsões e, com isso, diversos exames foram realizados para detectar as causas. Ele tomava diversos remédios, além de chorar dia e noite. “Foi uma coisa desesperadora, o médico pergunta se já houve casos de convulsão na família e você não sabe dizer… E, ainda por cima, é difícil obter essa informação”, ressalta.
Ao fim, descobriram que a mãe biológica dele era usuária de drogas e o que Ryan enfrentava, de certa forma, era a abstinência química. Quando o menino completou três anos e meio, pôde interromper o uso contínuo de medicamentos, mas, até lá, foram dias, meses e anos conturbados. No entanto, Suelen destaca: “Nunca passou pela minha cabeça desistir ou que eu não daria conta. Hoje, ele está aí, grandão”, afirma olhando para o filho de forma orgulhosa.

Entre brigas e acertos, o amor de primos
Fabrício e Ana estão agora com 15 e 13 anos, respectivamente. Já Ryan está com 11 anos. A idade próxima entre os três só evidencia ainda mais a amizade e companheirismo que têm um com o outro. “São muito amigos”, relata Suelen. “Se morassem mais perto, não iam se largar”, completa Rildo.
O amor de primos é muito parecido com o de irmãos. Em um momento, alegria total. Em outro, um pequeno desentendimento gera uma briga coletiva que precisa de intervenção para ser apaziguada. Com Fabrício, Ana e Ryan não poderia ser diferente. “Não vou dizer que eles não brigam, às vezes, precisamos ir lá no meio, mas são muito apegados um ao outro”, destaca Suzana.
Em relação ao que mais gostam de fazer juntos, o mais velho afirma que conversar, o que ficou claro durante a entrevista com a Família Glau. Já o mais novo destaca os jogos e brincadeiras. “Gostamos de jogar no celular e no computador”, explica.
Sobre terem sido adotados, os três agradecem a oportunidade que tiveram de ter um pai e uma mãe, além da família, que tanto os ama. Ana não lembra muito bem de quando o processo aconteceu, mas se tem uma coisa que recorda é que ficou muito feliz. Fabrício tem na memória o momento em que todos estavam os esperando em casa.
“Me sinto muito feliz, porque eles são boas pessoas de quem nós podemos seguir o exemplo”, relata Ana. “Eu só quero agradecer por tudo que tenho hoje”, finalizou Ryan com o sorriso de quem sabe que é muito amado.