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Dos campos da Pomerânia à mesa de Pomerode

Por Genemir Raduenz, Edson Klemann, Johan Ditmar Strelow, Cláudio Werling e Dirceu Zimmer

Foto: Foto: Livro O Patrimônio Cultural da Imigração em Santa Catarina
Pomerodense descascando aipim (mandioca). Na Europa os pomeranos utilizavam a batata inglesa, no Brasil, o aipim foi o substituto perfeito na alimentação do dia a dia.

Existem boas experiências que podem ser imortalizadas em nossa memória, e ao lembrarmos delas, trazem um conforto inexplicável. São lembranças conectadas ao que vivenciamos e experimentamos ao longo da vida. Nossa infância, a fase mais importante das descobertas, deixa marcas que nos acompanham para sempre. Lembrar dos domingos com pato ou marreco recheado no almoço e a sopa de pêssego como sobremesa, ou aquela cuca feita no forno à lenha pela Oma nas sextas-feiras final do dia após faxina da casa, nos arremessam diretamente ao passado, acionando nossa memória afetiva. O sociológo francês Pieere Bourdieu afirma que “provavelmente nos gostos alimentares é que está a marca mais forte e permanente do aprendizado infantil, onde se conserva a nostalgia”. Herdeiros de uma culinária rica em sabores, os descendentes pomeranos têm um amplo repertório gastronômico. Na Pomerânia, que durante um tempo foi o celeiro da europa, a produção de alimentos era a principal atividade nas propriedades.


Foto: Livro Pommern – Land am Meer/Ilustração de uma colheita de grãos nos campos da antiga Pomerânia.

Destaque para a criação de aves; do gado leiteiro; dos suínos; dos campos de batatas e cereais; dos vários tubérculos como as Wruken (uma espécie de nabo), e ainda, a abundante influência do mar e suas diversas espécies. Em livros antigos com receitas da Pomerânia, podemos evidenciar essa riqueza, se destacam pratos como o Pommersches Gänzenschmalz (banha de ganso), Pommerscher Gänzebraten (ganso assado), Ententopf (canja/ensopado de marreco), Schwarzsauer (sopa feita com sangue de aves ou suíno), Heringsalat (salada com pedaços de arenque em cubos), Sahnehering (arenque preparado com molho branco), Fischsuppe (caldo de peixe), Karpfen in Biersauce (carpa em pedaços cozida na cerveja escura – Malzbier) e Aal mit Rührei (enguia fatiada servida com uma espécie de farofa). As aves e os peixes exerciam forte inspiração para os pratos salgados.


Foto: Livro O Patrimônio Cultural da Imigração em Santa Catarina/Nos campos da Pomerânia e de Pomerode, as aves são presença certa. O assado de domingo tradicionalmente compõe o marreco ou pato recheado. Registro no Sítio Tribess em Pomerode.

A vasta costa báltica aliada à abundância do arenque que ocorre naquela região são um belo exemplo. Da mesma forma, o ganso e o marreco eram presenças imprescindíveis, bem como as batatas que aparecem em inúmeros pratos. Receitas doces, muitas também eram feitas, com destaque para o Mohnstollen (bolo tipo rocambole misturando duas cores, imitando a flor Mohn (papoula). Tipos de Stollen também eram elaborados com uvas passas, especialmente no Natal. Sopas de cerejas (Kirschsuppe) e de pêssego (Pfirsichsuppe), frutas abundantes naquelas terras. Destaque também para o Stettiner Baumkuchen (bolo em formato de árvore em que as camadas podem lembrar o tronco de uma árvore). São inúmeras as receitas que ao longo dos séculos foram sendo elaboradas e aprimoradas nos lares pomeranos. No entanto, toda essa fartura sempre esteve ao alcançe dos camponeses? Na prática, quem tinha todo o conforto e fartura de alimentos era a nobreza em suas amplas casas. No documentário “Als der Osten noch Heimat War 1v3 Pommern”, Irma Pliquet que trabalhou numa dessas casas dos senhores/aristocratas (antigas propriedades feudais), destaca que os jantares dos encontros dos aristocratas (Junkers) eram rodeados de muita “pompa”.


Acervo: Edson Klemann/Mesa posta e farta numa festa de aniversário infantil na década de 1970 em Pomerode.

Erika Bartelt que também serviu numa destas casas na Pomerânia, diz que o vestido escuro e o avental branco era a vestimenta que usavam e que o preparo destes jantares era feito no subsolo da casa senhoril, ela diz, “subir e descer a escada o tempo todo fazia parte da rotina… no porão todo o preparo, e em cima, no salão principal, os grandes jantares regados com muita comida e bebida”. Heinz Blossey, cocheiro naquela época na Pomerânia, contribui no mesmo documentário, “…eles eram os senhores da propriedade, os aristocratas e donos das terras, e nós, éramos os trabalhadores diaristas/jornaleiros, então, havia uma distinção enorme entre essas duas classes”. Certamente, nas instalações dos camponeses que trabalhavam nessas propriedades, o alimento era bem mais restrito. No livro 500 anos de Pomerode, um relato da família Ehlert nos traz detalhes. Roland Ehlert, busca em sua memória informações passadas de geração em geração, destaca: “… em geral, trabalhava-se para os grandes senhores, ganhava-se pouco, mal para sobreviver. Muitas vezes moravam nas casas dos senhores e tinham que racionar tudo, principalmente os alimentos”. Roland complementa: “…quando um filho queria comer fora de hora, a mãe chamava atenção e dizia: você já comeu. Vamos guardar para o amanhã”. Não podemos esquecer que a alimentação dos pomeranos “sem terra”, era impactada de forma frequente pelas guerras, pestes e o próprio sistema feudal que estava em franca transformação no século XIX.

Foto: Livro O Patrimônio Cultural da Imigração em Santa Catarina/As conservas são uma tradição herdada dos imigrantes. Uma forma de armazenar alimentos conservando-os para os rigorosos invernos. No Brasil, apesar do clima tropical, esse hábito permanece até os dias atuais.

Na mesa dos nobres, havia tigelas inglesas com muitas frutas (pêssego, maçã, pera e framboesa), avelãs e nozes, ou ainda, no café da manhã, jarras de leite, queijos, manteiga, bolos com passas e diversos tipos de pães de trigo. Por outro lado, o camponês e seu trabalho árduo desde as primeiras horas da manhã, no seu intervalo recorria ao pão que tinha em sua indispensável cesta oval, além do toucinho, linguiça caseira, pão com banha (Fettbrot), geléia de porco com batata (Sülze mit Kartoffeln) e alguma fruta. Certamente a escassez e a dieta desigual entre nobres e camponeses, era o ambiente recorrente nos antigos campos da Pomerânia. Todo esse cenário, no qual se deve levar em conta o clima da região, as características dos cultivos e criações nas propriedades dos senhores/nobres, e, os consequentes hábitos alimentares, influenciaram definitivamente a gastronomia dos descendentes pomeranos. Em Pomerode, que é fortemente influenciada por esse povo, a culinária carrega essa herança dos campos da Pomerânia.


Acervo: Margret Ott/Curso de culinária na antiga Pomerânia no Kreis de Bublitz (1911).

As famílias pomerodenses mantém até hoje muitos hábitos alimentares que remanescem dos seus ancestrais pomeranos. A rotina do camponês aqui, sempre teve muita conexão com os hábitos dos imigrantes. O Frühstück , preparado para ser a refeição no meio da manhã na roça, incluía ou ainda inclui em algumas famílias o pão com embutidos (Wurst, Leberwurst, Blutwurst), ovo cozido e sempre uma fruta, por aqui, geralmente uma banana. Da mesma forma os assados de domingo com ave recheada, o aipim, “Kartoffelnsalad”, ou ainda Klöse (nhoque) e muitos acompanhamentos/verduras em conserva, como, pepino, repolho e couve-flor (a conserva é uma tradição entre os povos europeus, uma forma de conservar os alimentos produzidos no verão para serem consumidos no inverno). A sobremesa dos almoços especiais, sempre acompanhada de sopas doces de pêssego, abacaxi ou figo (Pfirsichsuppe, Ananassuppe, Feigensuppe). Aliás, muito comum a secagem de pêssegos ao sol ou no forno para desidratá-los, assim, podem ser armazenados e render muitas sobremesas ao longo do ano. O café da tarde nos festejos não dispensa o pão com ovo e sardinha (Heringsbrot), uma clara referência ao consumo de arenque tão comum nas terras próximo ao mar Báltico. O pão sempre foi um capítulo à parte, se nos campos da Pomerânia os cereais como aveia e trigo reinavam, aqui nos trópicos a realidade e necessidade de se adaptar fez do milho, do cará, da batata doce e do aipim (Maisbrot, Carábrot,…) o melhor aliado.


Foto: Cláudio Werling/Evelina Werling no preparo do Kochkäse.

A cuca, atualmente um ícone nos cafés coloniais aqui servidos, é resultado de adaptações que os imigrantes fizeram usando frutas tropicais como a banana e o abacaxi. As geléias, se na Pomerânia eram de maçã, mirtilo e framboesa, aqui a banana, laranja e demais frutas tropicais foram adaptadas. Os derivados de leite são um capítulo à parte, o famoso Kochkäse, recentemente tombado como patrimônio cultural imaterial é um belo exemplo.


Foto: Secretaria de Turismo de Pomerode/Pão e cuca no forno a lenha sendo servidos na Festa Pomerana de Pomerode. Sabores que sobrevivem há séculos.

Klaus Granzow, em seu livro “Typisch Pommern”, destaca uma expressão idiomática que reflete bem os hábitos e o comportamento dos pomeranos perante a histórica escassez de alimentos: “Ein Pommerscher Magen kann alles vertragen”, ou seja, “Um estômago pomerano pode suportar tudo”. Esse breve recorte histórico da Pomerânia apresentado, enaltece que os desafios ao longo de séculos de um povo, foram se traduzindo em uma culinária rica e diversificada, e hoje, o município de Pomerode se estabelece como um pólo gastronômico que encanta pela singularidade, sabor e simplicidade. São características perfeitamente ligadas ao modo de vida do povo Pomerano, transpondo para a mesa um legado milenar.

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