Tem coisas que a gente simplesmente se recusa a aceitar. Como, por exemplo, que aquela calça favorita — a que molda o corpo como abraço de autoestima, que combina com tudo e já sobreviveu a incontáveis lavagens — um dia, não entre mais.
Foi numa segunda-feira que tudo começou, porque segunda-feira é o dia internacional da tentativa de reorganizar a vida. E lá fui eu, empolgada, achando que ia sair de casa vestida de confiança.
Primeiro sinal de que algo estava errado: o cós travou nos joelhos. Respirei fundo, puxei um pouco mais. Subiu até o quadril com certa resistência, como se dissesse: “Moça, não fomos feitos um para o outro… hoje.”
Tentei fechar o botão. Tentativa heróica. Falha catastrófica.
Mas veja bem: eu sei que não engordei tanto assim. Pelo menos não oficialmente. Não houve salto de balança, nem mudança brusca no espelho — só um leve acúmulo de “felicidade” no abdômen. Uma alegria abdominal, por assim dizer.
Foi então que tomei a decisão sensata de culpar a calça. Sim. A calça que encolheu na lavagem. Ou talvez sofreu um colapso de elasticidade. Pode ser até que tenha absorvido umidade e perdido a maleabilidade emocional.
Porque, sejamos francas: a calça não entende que a gente sobreviveu a uma pandemia, a noites mal dormidas, a fases intensas de chocolate terapêutico e pizzas merecidas. A calça não viu o quanto a gente correu atrás do filho, de prazos, de vida.
E mais: a calça não paga boletos, não escuta desabafos no banho, não troca fralda de madrugada. Então, sim, calça, a culpa é sua. Porque se você realmente me amasse, cederia. Teria memória afetiva.
No fim, joguei a calça de volta no armário. Peguei um jeans amigo, desses que abraçam sem julgar, e fui viver minha vida. Porque quem precisa de uma calça cruel quando se tem amor próprio e uma elasticidade emocional de fazer inveja a qualquer tecido?
A calça que lute.