Cicatrizes

Estranhei o rosto que me encarava no espelho, apesar de ser familiar, estava distorcido e os olhos transmitiam um peso aterrador. Estranhei o travesseiro da cama, era de espuma, mas parecia ter espinhos.

Estranhei a pressão da água do chuveiro, ainda forte, porém de alguma forma não tocava minha pele. Estranhei o rumo da estrada em direção à ponte que sabia ser necessário cruzar, havia uma bifurcação e não consegui decidir por qual lado seguir.

Notei então sete cicatrizes, há poucos meses elas não existiam, não faziam parte de mim. Havia uma grande e seis pequenas. Eu as encarei por tempo demais, primeiro me deixaram triste, porém, quanto mais as observava, mais tinha a sensação de que havia algo deixado ali para ser encontrado.

Aos poucos os sete riscos se transformaram em um mapa… E eu segui a direção indicada. Ainda faltava atravessar a ponte, mas para qual lado? Encarei meu mapa e ele dizia: siga adiante. Mas para qual lado? Intuí que a decisão precisaria ser tomada no momento em que me deparasse com os trajetos divergentes.

Tomei a coragem de pôr um pé na frente do outro e voltei a me mover, percebi a bifurcação se estreitar até que os caminhos convergiram em um. Em frente, cruzei a ponte! Quando voltei a observar o rosto no espelho, pude reconhecê-lo no mesmo segundo. Era o meu, assim como o olhar… tão diferentes, mas ainda tão meus.

Naquela noite, a cama voltou a ficar macia e eu chorei. Dias depois, a pressão da água embaixo do chuveiro voltou a tocar minha pele e eu também chorei. Lágrimas tão minhas, no meu chão, na minha casa, na minha vida, eu havia voltado para tudo que amava.

As cicatrizes não sumiram, nunca sumirão, continuam lá para me guiar pelas noites e manhãs em que me esquecer da força que possuo em meu coração. Elas provam que fui capaz de me reencontrar, de continuar adiante, são as marcas das batalhas que venci e da maior alegria que já vivi.