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Avalanche de perdas, temor e tristeza

Profissionais relembram deslizamentos e mortes ocorridos no ano de 2008 em Pomerode e região

Sexta-feira, 21 de novembro de 2008. Moradores da região seguiam sua rotina normalmente, viviam inclusive a expectativa de sediar os Jogos Abertos de Santa Catarina (Jasc).

Com isso, atletas, técnicos, dirigentes e autoridades estavam reunidos em Rio dos Cedros para a abertura da 48ª edição da competição. Os Jasc eram sediados pelas cidades de Indaial, Pomerode, Rio dos Cedros e Timbó. Àquela altura, ninguém imaginava o que estava por vir.

O período de fortes chuvas estava se intensificando cada dia mais e começou a trazer preocupação não só para os organizadores do evento, mas também para as administrações municipais. O Vale do Itajaí, assim como toda Santa Catarina, passou a sofrer com inundações e pequenos deslizamentos de terra.

Foi na madrugada de sábado para domingo que Pomerode registrou a primeira tragédia. Inesperada, veio na penumbra da noite e arrastou tudo o que havia pela frente. Uma residência localizada às margens da rodovia que liga Pomerode a Blumenau (SC-421), em Testo Central, foi atingida pela terra que despencou morro abaixo.

No local, morava um casal que não teve tempo para fugir ou pedir por socorro, já que foram surpreendidos pelos escombros. Logo após o ocorrido, equipes de resgate foram acionadas e as autoridades contatadas. “Fui chamado de madrugada para ver no que poderíamos ajudar, mas não tínhamos muito a fazer. A mulher sobreviveu, pois o armário acabou caindo praticamente em cima dela impedindo o soterramento. Infelizmente, o marido não conseguiu se salvar”, relembra o prefeito de Pomerode, Ércio Kriek, que também comandava o Executivo Municipal na época.

Antes e depois: fotos relembram como era o terreno atingido pelo deslizamento em Testo Central e a destruição causada após a catástrofe. Fotos: Acervo família Lohse

O chefe de socorro do Corpo de Bombeiros Voluntários de Pomerode, Márcio Schubert, iniciou o plantão no domingo de manhã. Após receber as informações preliminares do ocorrido, decidiu ir a campo para avaliar os estragos causados pela cidade.

Sobre o atendimento da ocorrência, salienta que o mais difícil para os bombeiros foi lidar com a situação como um todo. O solo estava instável e a chuva não dava um minuto de trégua, fazendo com que o resgate se tornasse um risco grande para a corporação. “Como era de madrugada, eles não tinham visibilidade do morro, então não sabiam se outro deslizamento poderia ocorrer. Poucas pessoas foram colocadas no que chamamos de ponto vermelho para que, caso acontecesse algo pior, não tivesse tanta gente no local”, recorda.

Como não estava de plantão no momento do ocorrido, não presenciou de perto as buscas pelo casal. No entanto, uma cena chamou a atenção do bombeiro efetivo. “Uma parte do morro havia descido e dois eucaliptos grandes passaram por dentro da casa. As árvores adentraram a residência e jogaram os dois carros que estavam estacionados para fora. Mesmo assim, a casa ficou de pé, as colunas de sustentação não foram afetadas”. Hoje, ao fechar os olhos e lembrar da tragédia, essa é uma das primeiras imagens que aparecem em sua mente. “Me marcou bastante”, completa.

Primeira tragédia: mesmo com o deslizamento, casa de Testo Central permaneceu de pé. Foto: Acervo família Lohse

No domingo, a situação não melhorou. A chuva constante trouxe outros deslizamentos e fez com que algumas ruas da cidade ficassem alagadas. “Nós achávamos que não haveria luz no fim do túnel, era uma coisa interminável. Era desanimador, porque não víamos um horizonte. Nós estávamos vivendo em um clima de guerra, a guerra é assim, não termina, você não sabe se vai melhorar ou piorar”, expõe o coordenador da Defesa Civil de Pomerode, tenente Lúcio de Bem.

No fim do dia, depois da cidade ter registrado a primeira morte em decorrência das fortes chuvas, os organizadores dos Jasc precisaram tomar a difícil decisão de cancelar a edição dos jogos. Muitos dos envolvidos nas competições tiveram dificuldades para retornar as suas casas.

Responsabilidade: o atual prefeito de Pomerode, Ércio Kriek, também comandava o Executivo Municipal na época. Foto: Divulgação PMP

Nova onda de incertezas

As horas passavam, mas o temor no olhar das pessoas continuava visível e interminável. A esperança era de que o fim de domingo se tornasse também o momento da ruptura, de deixar para trás a catástrofe e olhar para o futuro em busca de uma reconstrução. Infelizmente, não foi o que aconteceu.

Na madrugada de segunda-feira, dia 24, a cidade sofreu com mais uma perda. Desta vez, na região de Ribeirão Souto. Na divisa entre Pomerode e Timbó, um grande deslizamento foi novamente registrado. No local, uma casa foi arrastada, levando consigo a vida de um casal.

Como Pomerode não era a única cidade a sofrer com a tragédia, Timbó não teve condições de continuar prestando suporte para procurar os corpos. No entanto, além de Pomerode, corporações de outras cidades auxiliaram no local. “Não se tinha certeza de onde o casal poderia estar, porque eles tinham uma noção de onde ficava o rancho e a casa, por exemplo, mas quando acontece um deslizamento, você perde essa referência. Como desceu uma barreira, se o rancho estava no ponto A, ele poderia ter ido para o ponto B, C ou D. A barreira leva tudo embora, isso foi um dos piores agravantes que tivemos”, lembra Márcio.

Bombeiros Voluntários: chefe de socorro, Márcio Schubert, conta sobre atuação da corporação. Foto: Laura Sfreddo/Testo Notícias

Foram praticamente 10 dias de trabalho, muitos profissionais dedicados e um pedido que ressoava no coração e mente de todos os envolvidos. “A família estava apavorada, pedia para não abandonarmos e continuarmos procurando. Uma semana depois, pedimos auxílio para os bombeiros que vieram com cães farejadores, mas também não conseguiram localizar”, recorda Ércio.

Sobre o ocorrido, o coordenador da Defesa Civil do município conta que, em determinado momento, três escavadeiras estavam procurando pelos corpos. Um misto de esperança e cuidado tomou conta das equipes quando se depararam com algo que poderia ser uma das vítimas. “Infelizmente, constatamos se tratar de um animal da propriedade, já sem vida. Diante disso, as buscas continuaram.”

Na quarta-feira, dia 4 de dezembro, praticamente 10 dias após o deslizamento que deixou uma marca na história de Pomerode, o casal que havia sido soterrado foi encontrado. “Foi um momento marcante, de muita emoção pelo fato de, pelo menos, ter encontrado quem você perdeu. Nos meus períodos de prefeito, estou agora no 11º ano, acredito que não há acontecimento que se compare àqueles dias. Você via o temor, o medo, a angústia das pessoas, tantas vidas foram perdidas nesse curto espaço de tempo, estavam todos apavorados”, enfatiza Ércio.

Outra situação delicada vivida em Pomerode foi a falta de água que durou “infinitos” dias. Também em decorrência das chuvas, uma barreira caiu na nascente do Rio do Testo que levava água para a Eta II, a maior estação de tratamento da cidade. Com isso, não era possível fazer o tratamento de água da forma adequada. “Tivemos que buscar alternativas para o abastecimento. Em Testo Alto, nós pegamos de ribeirões, que eram braços do Rio do Testo, por exemplo. Também fomos obrigados a contratar água de outros municípios.”

Junção de forças para superar obstáculos

Pomerode não estava preparada para tudo o que aconteceu. Talvez nenhuma cidade do Vale do Itajaí estivesse naquele momento. A chuva era esperada, mas todas as consequências dela surpreenderam os chefes de Executivo dos municípios. “Antes, nós já tínhamos registrado enxurradas, pequenos deslizamentos, mas nada que colocasse as casas das pessoas em risco. Precisamos montar uma estrutura de Defesa Civil, praticamente a região toda parou, estávamos todos concentrados para conseguirmos auxiliar as pessoas que estavam em risco e dar suporte. O pior de tudo é que a água você vê subir, o morro não tem como saber se iria descer ou não”, enfatiza o prefeito Ércio.

Consequências: em Pomerode, 49 locais foram atingidos em decorrência das fortes chuvas. Foto: Acervo Defesa Civil de Pomerode

Quando a situação começou a se agravar, a primeira preocupação da administração pomerodense foi saber quem poderia fazer a orientação para os próximos passos. “Felizmente, a professora Germaine Aline Bernhardt, do Colégio Doutor Blumenau, nos ajudou, ela é geóloga e pôde nos dar instruções. Nós conseguimos ter essas informações básicas que poderiam ajudar a tirar pessoas que estariam em situação de risco. A cidade toda ajudou e abraçou a causa. Acredito que tenha sido o primeiro grande evento que exigiu da comunidade num todo”, complementa.

Ainda na segunda-feira, dia 24 de novembro, o prefeito de Pomerode, Ércio Kriek, publicou um decreto municipal caracterizando a situação como calamidade pública na cidade. O documento autorizava o desencadeamento do plano emergencial; a convocação de voluntários e a realização de campanhas de arrecadação de recursos; autorizava também as autoridades administrativas e os agentes da Defesa Civil a penetrarem nas casas e usar as propriedades nas ações de resposta aos desastres; e dava início a processos de desapropriação de propriedades particulares localizadas em áreas de risco intensificado de desastres.

Trabalho árduo: coordenador da Defesa Civil, Lúcio de Bem, relembra desafios. Foto: Laura Sfreddo/Testo Notícias

Como conta o coordenador da Defesa Civil, os recursos ainda eram precários na época. Fora dados enviados pela Epagri/Ciram e provenientes de Blumenau, válidos para Pomerode, a cidade não tinha projeções sobre o que poderia ou não acontecer. “Na verdade, não conseguíamos dar um futuro certo para as pessoas, não dava para dizer que iria chover até tal dia ou tal mês, por exemplo. A chuva não era muito intensa, mas era contínua, não parava”, destaca Lúcio.

Diante disso, era preciso trabalhar com os recursos disponíveis. Mesmo com dados limitados, o desejo de ajudar o próximo não esmoreceu em nenhum segundo. “Minha principal atuação era chegar no local e dar a segurança para que as pessoas não corressem risco de morte. Eu precisava avaliar a situação e, às vezes, fazer com que elas entendessem que precisavam sair de casa. Muitos achavam que nada iria acontecer. Eles já estavam emocionados, chateados, e receber essa notícia não era fácil.”

Sobre esses momentos, Ércio expõe que talvez fossem os mais difíceis. Para conversar com as famílias que moravam em casas que poderiam ser atingidas por deslizamentos, a Prefeitura montou equipes e dividiu seus profissionais. “Quando você chegava às residências, via as pessoas em lágrimas, tendo que deixar seus lares. Eles estavam saindo e não sabiam se poderiam voltar. O cargo exige que você não demonstre fraqueza, mas não é fácil se controlar. No entanto, muitas vezes, quando você via esse desespero das pessoas, tinha que ser muito forte para não transmitir mais desespero e temor”, reflete.

Desafios superados

Segundo dados da Defesa Civil de Pomerode, a cidade registrou mil desalojados e 132 pessoas desabrigadas. “Das pessoas que tiveram que deixar suas residências, algumas foram para casas de familiares, mas também foi aberto um abrigo no Pavilhão de Eventos. Como a chuva não parava e se intensificava, algumas pessoas não tinham como sair ou voltar para casa. Eu ia até as residências e levava água, mantimentos, o que a pessoa precisava para se sustentar”, evidencia Lúcio.

Conforme crescia o medo das pessoas, aumentava também a preocupação em relação a novos graves deslizamentos. A população, bem como as autoridades, começou a temer que partes de importantes morros da cidade poderiam desabar.

Em meio à catástrofe, o prefeito de Pomerode recebeu uma ligação da Defesa Civil de Timbó. Na oportunidade, informaram que um trilheiro que levava comida para uma família identificou uma grande rachadura no topo do Morro Azul. “Eles me orientaram a ligar para a Defesa Civil do Estado. Eu chamei, eles vieram com o helicóptero e isso já criou uma expectativa por parte da população. Nesses momentos, é preciso tomar um cuidado muito grande para não criar pânico. Felizmente, não foi nada tão grave.”

Outro desafio permanente para a Prefeitura foi a desobstrução das vias. Diversos deslizamentos foram registrados em diferentes localidades da cidade. Diante disso, a preocupação do Executivo era sempre dar passagem para as pessoas o mais rápido possível. “Em razão da credibilidade que tínhamos junto aos nossos fornecedores, não tivemos nenhum problema, todos eles vinham assim que nós chamávamos para ajudar”, evidencia Ércio.

Da mesma forma, o trabalho em conjunto dos servidores da Prefeitura fez com que a cidade conseguisse se reestruturar e dar o maior apoio possível aos atingidos. “Eu queria ressaltar a importância e a ajuda da Secretaria de Planejamento de Pomerode, na pessoa especialmente do engenheiro e diretor de Meio Ambiente, Jaime Jensen. O prefeito também sempre nos deu bastante força e assistência, não faltaram esforços por parte dele. Durante catástrofes, eu começo a acionar as entidades e órgãos necessários e todos sempre estão à disposição para auxiliar a Defesa Civil”, declara Lúcio.

Várias foram as mãos estendidas para a cidade, assim como para toda a região que sofreu. O povo brasileiro se mostrou solidário, se sensibilizou com a dor do próximo e fez tudo que estava ao alcance para levar um consolo para aqueles que estavam sofrendo. “Essa situação nos marcou e mostrou o quanto nós precisamos ajudar uns aos outros, e como fica mais fácil quando um procura estender a mão para o outro. Mesmo depois de 15 anos, quero agradecer a todas as pessoas que se colocaram à disposição para ajudar. Que possamos sempre ser assim e perceber que dessa forma nós só cresceremos”, finaliza Ércio.

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