Quando o assunto da adoção surge, ainda há muitos questionamentos sobre o processo, um deles é sobre a forma utilizada para determinar que uma criança ou adolescente está apto a ser adotado, ou então, se é realmente tão complexo o caminho para que os pretendentes se tornem pais e mães adotivos. Para esclarecer essas e outras dúvidas, a juíza de Direito e titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pomerode, Iraci Satomi Kuraoka Schiocchet, explica as nuances que envolvem o tema.
Com 20 anos de atuação na Comarca de Pomerode e 28 na área da Infância e Juventude, Dra. Iraci descreve ser recompensador trabalhar com os processos de adoção. Presenciar todo o ritual envolvido, como preparar as crianças e adolescentes para uma nova família, vê-los conhecer os novos pais e, posteriormente, acompanhar de longe o amor, cumplicidade e carinho crescendo entre eles é o que a faz permanecer na área.
Por isso, afirma ser gratificante unir filhos e filhas a pais que aguardam pela chegada deles há muito tempo. Ela admite que os únicos dias de harmonia e felicidade no seu trabalho são os dias que o tão esperado encontro acontece. “Costumo dizer que sou a cegonha”, reflete com um largo sorriso no rosto.
Tamanha é a dedicação despendida por Dra. Iraci nos casos de adoção que o escritório, além de sua vívida memória, é repleto de lembranças das adoções em que atuou durante tantos anos objetificando unir corações. “Os dias mais emocionantes e felizes são os que envolvem processos de adoção, mesmo com todas as suas complexidades.”
Com a vasta experiência adquirida ao longo dos anos, a magistrada já presenciou casos em que sentiu que os pais estavam na fila como uma forma de caridade. Por muitas vezes, ouviu que se todo adulto adotasse uma criança, não teriam mais crianças no abrigo. Diante disso, ela dá um conselho a quem está interessado em se tornar pretendente: “A primeira coisa que os pais devem saber é que somente se adota uma criança pelo desejo de ter um filho. Existem casais que adotam 20 crianças e isso não é desejo de ser pai, é para outros fins.”
Como ainda há muitas dúvidas sobre o assunto, a juíza esclareceu os principais questionamentos que surgem quando a adoção aparece nas rodas de conversa.
Há muitas crianças esperando para serem adotadas?
Um senso comum da população, quando o assunto surge, é que há muitas crianças para serem adotadas e, em contrapartida, muitos pretendentes na fila. Segundo eles, o maior problema é a burocracia do processo.
De primeira mão, a juíza destaca: é preciso desmistificar a crença de que existem muitas crianças aguardando pela adoção. Grande parte das crianças está em abrigos de forma temporária, ou seja, por alguma situação transitória e passageira que provavelmente as possibilitará retornar ao convívio familiar em breve.
Outra informação importante é que, na realidade, há mais adolescentes esperando para serem adotados do que crianças. Dos 4.133 disponíveis para a adoção no Brasil no dia 26 de novembro de 2021, 2.050 são maiores de 12 anos, sendo que 1.088 têm mais de 15 anos. Além disso, muitas das crianças possuem irmãos, já que do total, apenas 1.944 são filhos únicos. Em Pomerode, nos últimos 10 anos, ocorreu a entrega de um único bebê. Durante os 28 anos de carreira, Dra. Iraci presenciou a adoção de recém-nascidos somente quatro vezes. Por isso, ela questiona: “Quem aqui não tem um primo ou sobrinho de uns quatro ou cinco anos ou até nove ou 10 anos? São crianças adoráveis, então por que sempre tem que ser bebê?”
Já com relação ao processo, a magistrada garante ser o mais simples possível, não há custo ou necessidade de um advogado. Para ela, o maior problema é que não existe a criança do perfil desejado pelo pretendente, quando este é muito específico quanto à idade, grupo de irmãos, gênero, etnia, problemas de saúde, entre outros aspectos.
O que leva a criança ou adolescente à destituição do Poder Familiar?
A destituição do Poder Familiar é uma medida judicial de extrema gravidade, pois é através dela que os pais que falharam no cumprimento de seus deveres para com os filhos menores de idade são definitivamente proibidos de exercer tal encargo.
De acordo com Dra. Iraci, isso ocorre, principalmente, quando há a violação dos direitos da criança ou adolescente, são exemplos desse quadro a negligência, abandono, violência psicológica, física ou sexual. Já o tempo do processo depende de alguns fatores. Como a destituição envolve sempre os genitores, o pai e a mãe, pode ser necessária a localização do outro genitor, que por vezes não está envolvido na vida do filho, para que ele também passe pelo processo. “Muitas vezes, é por mero abandono e nunca procurou pela criança ou se interessou em saber se ela tinha os direitos preservados”, explica.
Por conta da procura pelo genitor demorar meses ou, em alguns casos, anos, as crianças podem ficar muito tempo no abrigo sem estarem aptas a serem adotadas e acabam passando da faixa etária mais aceita pelos pretendentes. “Tentamos abreviar o processo para que isso não ocorra. Já houve situações que, em conversa com os pais, conseguimos fazer com que eles entregassem a guarda voluntariamente, reconhecendo estarem inaptos e possibilitando uma vida plena à criança ou adolescente.”
A mãe pode abrir mão do filho durante a gestação?
De acordo com a magistrada, a mãe tem o direito de decidir entregar o filho para a adoção ainda no período gestacional. Para isso, a gestante deve procurar o Poder Judiciário, a oficial da infância ou assistente social e informar o desejo. Após isso, passa a ser acompanhada, toda a equipe de saúde fica informada e não pode mais ocorrer nenhuma tentativa de influenciá-la a ficar com o bebê ou a entregar a cuidados de outra pessoa sem o processo legal. “A saúde física e emocional dela passa a ser acompanhada e, no momento que a genitora tem o bebê, a criança entra para o processo de adoção”, pontua. Nesses casos, a mãe não tem direito de escolher quem serão os pais adotivos.
A mãe pode voltar atrás da decisão de entregar o filho para a adoção?
Durante a gestação, a mãe pode ainda refletir se quer ou não entregar voluntariamente o bebê para fins de adoção e, mesmo que volte atrás, o Poder Judiciário ainda a acompanha para ver se, futuramente, não rejeitará a criança. No entanto, depois de entregar, não há mais possibilidade de retorno.
Como é a adoção de grupos de irmãos?
Sempre que possível, a Justiça tenta manter os grupos de irmãos juntos no mesmo círculo familiar. Quando isso não é possível, faz-se uma adoção casada, em que três ou quatro casais são convocados para uma conversa, é questionado se aceitam o compromisso de manter a convivência entre os irmãos, mesmo que adotados por famílias diferentes, para manter o contato.